segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Sobre o filme «Coração Selvagem» de David Lynch, 1990























Longe de «Eraserhead» (1977) ou «Inland Empire» (2006), talvez um dos filmes de David Lynch onde o realizador se espraia sem pudor em todas as suas maiores dimensões: o humor, a fantasia, a moralidade, o erotismo, a exuberância dos decores e da música. As histórias cruzadas com um nexo desconexo. Assumindo a maior das suas dimensões – a comédia –, usa e abusa desse extravagante e delicioso modo de oferecer aos actores a liberdade de lançarem as personagens sobre a narrativa. Uma espécie de bailado burlesco. As personagens são a própria história como se se tratasse de um livro de contos fictícios, dilacerantes e muito divertidos. Um filme da Disney para crianças que não têm medo do escuro, do sangue, do perigo das estradas americanas ou do sexo. Com bruxas más e fadas madrinhas! Aqui nada falta!

História de amor indestrutível que todos desejam destruir (mas jamais conseguirão). A começar pela mãe-madrasta de Lula (Laura Dern), a extraordinária Marietta Fortune (Diane Ladd), que, desejando sexualmente o genro Sailor (Nicolas Cage), pretende a todo o custo matá-lo pois este terá assistido à morte (muito pouco acidental) do marido e pai de Lula, num incêndio provocado. Sailor, exibindo o seu casaco pele de cobra, símbolo da sua individualidade, por duas vezes é esperado à porta da prisão pela sua amada. Na última, cantar-lhe-á «Love Me Tender», conforme prometido. Até lá, os amantes inseparáveis serão confrontados com Bobby Peru (Willem Dafoe), Santos (J.E. Freeman), Johnnie Farragut (Harry Dean Stanton), Juana (Grace Zabriskie), Uncle Pooch (Marvin Kaplan) ou Perdita (Isabella Rossellini).

Um pouco de Fellini pela humanidade na extravagância. Um pouco de Coppola pelo colorido desabrido da imaginação. Um pouco de Tarantino pelo modo de construir uma peça única a partir do fundo de catálogo das colecções de revistas de aventuras pulp fiction.

jef, fevereiro 2022

«Coração Selvagem» (Wild at Heart) de David Lynch. Com Nicolas Cage, Laura Dern, Willem Dafoe, J.E. Freeman, Crispin Glover, Diane Ladd, Calvin Lockhart, Isabella Rossellini, Harry Dean Stanton, Grace Zabriskie, Sherilyn Fenn, Marvin Kaplan, William Morgan Sheppard, David Patrick Kelly, Freddie Jones, John Lurie, Jack Nance, Pruitt Taylor Vince. Argumento: David Lynch baseado no romance de Barry Gifford. Produção: Steve Golin. Fotografia: Frederick Elmes. Música: Angelo Badalamenti. EUA, 1990, Cores, 125 min.

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