segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Sobre o filme «Descerrando os Punhos» de Kira Kovalenko, 2021














Todo o filme se concentra no sorriso de Ada (Milana Aguzarova). Está ali a história inteira. A câmara filma muito próximo daquele rosto generoso onde o medo, o complexo e a entrega emocional se combinam sem deixar que o espectador se aperceba da paragem de autocarro onde ela espera alguém. O sorriso é transparente mas sempre velado. Ela esconde-o ou esconde-se atrás dele. Ada está rodeada pelo opressivo carinho, pela exigência afectiva ou mesmo por uma abusiva prisão domiciliária. Todos a vigiam. Em torno dela e do seu passado inundado de violência e de guerra, protegendo-a e oprimindo-a, circula o seu pai (Alik Karaev), os irmãos Akim (Soslan Khugaev) e Dakko (Khetag Bibilov) e até o proto-namorado Tamik (Arsen Khetagurov). Tudo em circuito fechado, numa pequena povoação da Ossétia do Norte, presa à tal câmara de filmar que não deixa respirar. Talvez demasiado atarefada, a câmara, em focar obsessivamente, repetidamente, pormenores estéticos, pequenos actos ou movimentos circulares: os carros, os ajuntamentos, as buscas, as fugas. Movimentos que precisariam de um maior campo de visão, talvez de uma mais ampla linha narrativa, maior diversificação estética, talvez menos sequências explicativas.

Contudo, o sorriso sofrido (e talvez libertado ou libertador) de Ada não deixará de nos acompanhar.

 

jef, fevereiro 2022

«Descerrando os Punhos» (Unclenching the Fists) de Kira Kovalenko. Com Milana Aguzarova, Alik Karae, Soslan Khugaev, Khetag Bibilov, Arsen Khetagurov, Milana Pagieva. Argumento: Kira Kovalenko, Lyubov Mulmenko, Anton Yarush. Produção: Sergey Melkumov, Alexander Rodnyansky. Fotografia: Pavel Fomintsev. Rússia, 2021, Cores, 97 min.

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