sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Sobre o filme «Memória» de Apichatpong Weerasethakul, 2021.
































Este filme foi entregue à actriz Tilda Swinton. Uma persona artística tão versátil e pura, quanto abstracta, no modo como veste cada uma das personagens. Aqui assume integralmente a pele de Jessica que anda em busca da réplica perfeita de um som, talvez estrondo, que a persegue em sonhos e no sono. Está na Colômbia e procura também a memória arqueológica e futurista desse objecto acústico que anseia por uma interpretação muito precisa. Deste modo, também a própria memória carece de um significado ou, talvez melhor, de uma transmissão psico-neurológica que a traga do passado para o presente.

Deixemo-nos ir sem mais delongas caminhando atrás da ansiedade de Jessica, essa Tilda Swinton que preenche o ecrã e nos faz divagar pelo interior do que não entendemos lá muito bem. Não interessa.

Fui, assim, também eu divagando por dentro da minha memória, relembrando Antonio Tabucchi que, numa das últimas edições de «Requiem» (Dom Quixote, 2007), disserta no final sobre a memória e refere como a voz do seu pai, falecido há pouco, regressa em sonho claro chamando por ele. Comoveu-me muito. Também o mesmo me sucedeu, escutando a voz do meu pai, calma mas deveras precisa, dizendo o meu nome como se quisesse que eu acordasse naquele momento. E acordou mesmo!

Também, entretanto, fui vogando até uma das mais belas composições de Laurie Anderson «The Beginning of Memory» (Homeland, 2010) quando nos conta a história de uma cotovia que voava em círculos numa antiga era antes da Terra existir, quando havia apenas ar e pássaros. Um dia, o seu pai morreu e a cotovia, sem terra, ficou com um dilema – onde enterrar o seu corpo? Por fim, encontrou a solução fazendo-o na parte de trás da cabeça. Assim nasceu, a Memória, diz-nos Laurie Anderson.

«Memoria» de Apichatpong Weerasethakul pode não ser o melhor filme abstracto do mundo mas fez-me contemplar Tilda Swinton e transportou-me até à memória que trago na parte de trás da cabeça, levando-me a Antonio Tabucchi, a Laurie Anderson, até ao meu pai.


jef, fevereiro 2022

«Memória» (Memoria) de Apichatpong Weerasethakul. Com Tilda Swinton, Elkin Díaz, Jeanne Balibar, Juan Pablo Urrego, Daniel Giménez Cacho Agnes Brekke, Jerónimo Barón. Argumento: Apichatpong Weerasethakul. Produção: Tilda Swinton, Apichatpong Weerasethakul, Paola Andrea Pérez Nieto. Fotografia: Sayombhu Mukdeeprom. Som: Raúl Locatelli. Música: Cesar Lopez. Colômbia, Tailândia, França, Alemanha, 2021, Cores, 136 min.

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