segunda-feira, 14 de abril de 2025

Sobre o Circo do Soleil «Corteo», Meo Arena / Parque das Nações



 











































Cá em casa nunca fomos amantes de circo. Não gostávamos de ver os animais cheios medo e mal tratados, não gostávamos de ter medo dos palhaços. Coisa que sempre acontecia quando, em miúdos, se aproximavam – Palhaço Pobre, Palhaço Rico – voz espalholada, a embirrarem um com o outro e os carros a estoirarem com estrondos imbecis. Ficávamos a chorar. A minha mãe não entendia por que é que a pobreza e a riqueza davam vontade de rir. Por outro lado, permanecia sobre tudo a tristeza de «A Morte do Palhaço» de Raul Brandão (1926), a eterna bendita melancolia de Federico Fellini «A Estrada» (1954) ou «Oito e Meio» de Federico Fellini (1963) e a música de Nino Rota. Enfim, o circo.

Ora nem de propósito… O Circo do Soleil apresenta Corteo, dirigida por Daniele Finzi Pasca e estreada em Montreal em 2005. Corteo é simplesmente o cortejo fúnebre de um palhaço, Mauro (interpretado pelo brasileiro Marcelo Perna) que vai imaginando a própriamorte festejada com alegria e ao som de uma banda sonora que mistura samba, passodoble, balcãs, Nino Rota e Goran Bregovic. Teria tudo para me dar a melancolia.

Porém… Esqueço-me de mim e entro no modo cénico como apresentam os números de acrobacia, funambulismo, trapezismo ou malabarismo, levando-nos através da vida de Mauro, desde a infância. Uma sucessão de peças musicais entretecidas numa história teatral onde as personagens mudam constantemente o sentido ao drama. Sim, esquecemos que é circo (apesar de o ser) e embalamo-nos nessa comédia em miniatura (qual sessão de robertos) entre a mini Julieta e o mini Romeu, enquanto o cavalo de pano vai buscar a gaivota morta, como um cão excitado pelo dono, mas que se desconjunta, ficando pelo meio, deixando o focinho em cena... De seguida, surgir um amoroso e comovente número de acrobacia elaborado por um casal de bailarinos espaciais, num ambiente de azul profundo.

E claro, Corteo é acompanhado pelo melhor assobiador do mundo, o Mr. Whistle (o finlandês Geert Chatrou), sem esquecer a série de sapatinhos que correm pelo palco fora sem nenhum pé lá dentro, ou Anita vogando leve sobre o público como bolas de sabão, e as tutelares figuras angelicais que aparecem no céu vestidas como anjos vindos do século passado, daqueles que se penduravam na árvore de Natal.

Reconheço, fui levado. Levaram-me! Não fiquei triste. Não tive medo dos palhaços, não me assustei nem chorei e fartei-me de divertir. Ah, e os cavalos eram de pano e tinham palhaços lá dentro! Não sofreram!

Todos os artistas são definitivamente extraordinários. Os cenários encantadores. O palco-arena, que se esconde por véus translúcidos e pintados em modo parisiense, está ladeado pelas duas plateias que se opõem, frente a frente. 

(de 10 a 20 de Abril de 2025)


30 de abril de 2025

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