Cá
em casa nunca fomos amantes de circo. Não gostávamos de ver os animais cheios
medo e mal tratados, não gostávamos de ter medo dos palhaços. Coisa que sempre
acontecia quando, em miúdos, se aproximavam – Palhaço Pobre, Palhaço Rico – voz
espalholada, a embirrarem um com o outro e os carros a estoirarem com estrondos
imbecis. Ficávamos a chorar. A minha mãe não entendia por que é que a pobreza e
a riqueza davam vontade de rir. Por outro lado, permanecia sobre tudo a
tristeza de «A Morte do Palhaço» de Raul Brandão (1926), a eterna bendita
melancolia de Federico Fellini «A Estrada» (1954) ou «Oito e Meio» de Federico
Fellini (1963) e a música de Nino Rota. Enfim, o circo.
Ora
nem de propósito… O Circo do Soleil apresenta Corteo, dirigida por Daniele
Finzi Pasca e estreada em Montreal em 2005. Corteo é simplesmente o
cortejo fúnebre de um palhaço, Mauro (interpretado pelo brasileiro Marcelo
Perna) que vai imaginando a própriamorte festejada com alegria e ao som de uma
banda sonora que mistura samba, passodoble, balcãs, Nino Rota e Goran Bregovic.
Teria tudo para me dar a melancolia.
Porém…
Esqueço-me de mim e entro no modo cénico como apresentam os números de
acrobacia, funambulismo, trapezismo ou malabarismo, levando-nos através da vida
de Mauro, desde a infância. Uma sucessão de peças musicais entretecidas numa
história teatral onde as personagens mudam constantemente o sentido ao drama.
Sim, esquecemos que é circo (apesar de o ser) e embalamo-nos nessa comédia em
miniatura (qual sessão de robertos) entre a mini Julieta e o mini Romeu, enquanto o cavalo de pano vai buscar a gaivota morta, como um cão excitado pelo dono, mas
que se desconjunta, ficando pelo meio, deixando o focinho em cena... De
seguida, surgir um amoroso e comovente número de acrobacia elaborado por um
casal de bailarinos espaciais, num ambiente de azul profundo.
E
claro, Corteo é acompanhado pelo melhor assobiador do mundo, o Mr. Whistle (o
finlandês Geert Chatrou), sem esquecer a série de sapatinhos que correm pelo
palco fora sem nenhum pé lá dentro, ou Anita vogando leve sobre o público como
bolas de sabão, e as tutelares figuras angelicais que aparecem no céu vestidas como anjos vindos do século passado, daqueles que se
penduravam na árvore de Natal.
Reconheço,
fui levado. Levaram-me! Não fiquei triste. Não tive medo dos palhaços, não me
assustei nem chorei e fartei-me de divertir. Ah, e os cavalos eram de pano e
tinham palhaços lá dentro! Não sofreram!
Todos os artistas são definitivamente extraordinários. Os cenários encantadores. O palco-arena, que se esconde por véus translúcidos e pintados em modo parisiense, está ladeado pelas duas plateias que se opõem, frente a frente.
(de 10 a 20 de Abril de 2025)
30
de abril de 2025
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