Acabam de chegar dois hóspedes àquela pensão: um muito mal encarado, talvez mesmo bastante burro, McCann, o outro, um fala barato vendedor de banha da cobra, Goldberg. Foram vistos na véspera a rondar por ali. Trazem um carrinho de mão dentro da viatura e chegam precisamente no dia de aniversário de Stanley, o único hóspede da pensão que ali pernoita há um ano. Misteriosamente, parece que conhecem Stanley, que talvez este tenha traído alguma organização. Supostamente, vêm em perseguição. Contudo, o dono da pensão, Petey, apenas tenta ler o jornal e a sua esposa Meg tem uma quase protecção maternal por Stanley, preparando-lhe uma festa de aniversário. Coisa que não agrada muito ao próprio… O que terá feito Stanley no passado? Por que haverá um carrinho de mão dentro da viatura? Porque rasgará McCann tão acintosamente as folhas de jornal? Por que seria bom o recém-nascido anunciado nas páginas de jornal possuir um sexo diferente? Por que razão as luzes são apagadas durante a festa e o foco da lanterna de McCann é apontada às caras dos convivas. Tudo pode ser dramático, tudo pode ser risível. Nada será esclarecido. Tudo é um absurdo?
Mas o Teatro é absurdo, esclarece o próprio Harold Pinter (que eu me habituei a ver nas peças dos Artistas Unidos ou nos filmes de Joseph Losey). Contudo, isto não será tudo um absurdo porque ainda não o compreendemos, ainda não nos foi explicado, ainda não foi dissecado? E será que já compreendemos cabalmente a realidade que vivemos hoje, ter-nos-á já sido explicada, dissecada em definitivo? E as pessoas que são absorvidas nessa verdade por fundamentar estarão cientes do papel que representam na peça?
Ou
seja, estando, assim, muito por entender, por esclarecer, sendo tanta coisa
incompreensível, então talvez a nossa realidade seja um absurdo teatral, simultaneamente trágico e cómico. E se, deste modo, podemos definir o mundo em que vivemos,
então a obra de Harold Pinter permanece radicalmente um acto político.
6
de abril de 2025
«Festa
de Aniversário» de Harold Pinter. Tradução: Artur Ramos e Jaime Salazar Sampaio.
Encenação: António Pires. Com Adriano Luz (Petey), Ana Nave (Meg), Cláudio da
Silva (Goldberg), Graciano Dias (Stanley), João Barbosa (McCann), Vera Moura
(Lulu). Cenografia: Alexandre Oliveira. Construção de cenário: Fábio Paulo. Desenho
de Luz: Rui Seabra. Desenho de Som: Paulo Abelho. Construção de cenário: Fábio
Paulo. Operação de luz: António Serrão. Operação de som: Matheus de Alencar.
Direcção de cena: Alexandre Jerónimo. Estagiárias de guarda-roupa: Sol Piloto e
Larissa Angeli. Ilustração: Joana Villaverde. Fotografia de cena e trailer: Jaime
Freitas. Bilheteira: Sofia Estriga. Direcção de produção: Federica Fiasca.
Produtor: Alexandre Oliveira. Produção: Alexandre Oliveira / Ar de Filmes / Teatro
do Bairro. Duração: 100 minutos aproximadamente. Teatro do Bairro.
Até
20 Abril. Quarta a Sexta: 21h30. Sábado e Domingo: 18h00
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