Maria Ondina Braga é uma autora silenciosa. A escrita
aparece como um véu tutelar sobre a moderna literatura portuguesa. Igualmente como fundação estruturante da escrita contemporânea em português. Contudo
e apesar de muito respeitada, quase não é lida.
Como a própria autora, é uma escrita que viaja pelos recantos do mundo, da
Europa ao Oriente, iniciando a escrita de viagem e as autobiografias
ficcionais. É uma autora solitária, melancólica, impressionantemente profunda,
mas será injusto classifica-la como feminista ou depressiva.
Nos contos de «Estação Morta», a viagem é permanente, a solidão persistente, a interioridade que se fecha sobre si, mas também se revolta, revela-se uma espécie de coda. Também, a novidade da revolução dos cravos, do movimento dos militares ou a descolonização parecem estar como uma trama sobre a qual as personagens femininas se vão desvendando.
A desabrida Carolina, depois
espectro de uma casa quase assombrada, a “Vivenda Hortense”; A Ritinha da renda
de bilros, a Marina e a Senhora Teresa; o abraço de despedida da chinesa Miss
Thérèse; a vida e paixão de Cremilde; a fuga e o reencontro com Virgilina; o queixo
como trauma de Clementina; o profano, a devoção, a dúvida e os votos e da Irmã
Desterro; o mal interior incontrolável de «O Mal Sagrado».
Contudo, Maria Ondina Braga também é uma descritora do processo
masculino: numa viagem de barco de Singapura e Ceilão, encontramos Mr. Green
que abandonou a produção de chá e a vida familiar e mundana pelo amor às aves
(«O Homem Pássaro»); talvez o grande mistério do Grande Hotel do Parque não
estará propriamente em Dora ou em Mme. Henriette, mas no instável Lourenço
(«Estação Morta»); e o descontentamento burguês pela fisionomia de Clementina
é sublinhada pelo exaspero de Rogério.
O clima quase misterioso do conto «Estação Morta» fez-me
lembrar aquele de Teresa Veiga, «A Estalagem de Aldebarã» (2024), ou «O Barão»
de Branquinho da Fonseca (1942).
Maria Ondina Braga é uma escritora gigante e inclassificável que
terá a sua obra completa editada pela Imprensa Nacional. Até agora saíram: 1 –
Autobiografias Ficcionais e 2 – Biografias no Feminino.
jef, abril 2025
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