quinta-feira, 24 de abril de 2025

Sobre o livro «Estação Morta» de Maria Ondina Braga, colecção O Chão da Palavra, Vega 1980.


 









Maria Ondina Braga é uma autora silenciosa. A escrita aparece como um véu tutelar sobre a moderna literatura portuguesa. Igualmente como fundação estruturante da escrita contemporânea em português. Contudo e apesar de muito respeitada, quase não é lida.

Como a própria autora, é uma escrita que viaja pelos recantos do mundo, da Europa ao Oriente, iniciando a escrita de viagem e as autobiografias ficcionais. É uma autora solitária, melancólica, impressionantemente profunda, mas será injusto classifica-la como feminista ou depressiva.

Nos contos de «Estação Morta», a viagem é permanente, a solidão persistente, a interioridade que se fecha sobre si, mas também se revolta, revela-se uma espécie de coda. Também, a novidade da revolução dos cravos, do movimento dos militares ou a descolonização parecem estar como uma trama sobre a qual as personagens femininas se vão desvendando.

A desabrida Carolina, depois espectro de uma casa quase assombrada, a “Vivenda Hortense”; A Ritinha da renda de bilros, a Marina e a Senhora Teresa; o abraço de despedida da chinesa Miss Thérèse; a vida e paixão de Cremilde; a fuga e o reencontro com Virgilina; o queixo como trauma de Clementina; o profano, a devoção, a dúvida e os votos e da Irmã Desterro; o mal interior incontrolável de «O Mal Sagrado».

Contudo, Maria Ondina Braga também é uma descritora do processo masculino: numa viagem de barco de Singapura e Ceilão, encontramos Mr. Green que abandonou a produção de chá e a vida familiar e mundana pelo amor às aves («O Homem Pássaro»); talvez o grande mistério do Grande Hotel do Parque não estará propriamente em Dora ou em Mme. Henriette, mas no instável Lourenço («Estação Morta»); e o descontentamento burguês pela fisionomia de Clementina é sublinhada pelo exaspero de Rogério.

O clima quase misterioso do conto «Estação Morta» fez-me lembrar aquele de Teresa Veiga, «A Estalagem de Aldebarã» (2024), ou «O Barão» de Branquinho da Fonseca (1942).

Maria Ondina Braga é uma escritora gigante e inclassificável que terá a sua obra completa editada pela Imprensa Nacional. Até agora saíram: 1 – Autobiografias Ficcionais e 2 – Biografias no Feminino.


jef, abril 2025

Sem comentários:

Enviar um comentário