Esta é a visão teatral que Geneviève Serreau dá ao texto de autoficção escrito por Marguerite Duras. É também a perspectiva cénica oferecida pelo encenador Álvaro Correia ao mundo em transição que então se vivia no Sul da esquecida Indochina francófona. Um bungalow perdido entre o calor, as monções e as sucessivas invasões das águas salgadas do Pacífico sobre a fraudulenta venda de parcelas aos colonos que eram, portanto, desesperadamente inférteis.
Contudo, a imensa construção em madeira no centro
do palco prevalece ali, de pé, rodeada de árvores, de uma iluminação
caleidoscópica, do torpor ou do tédio. Toda aquela exaustão crepuscular está no
campo da cinematografia. Não o cinema interiorista “nouvelle vague” de
Marguerite Duras («India Song», 1975) mas sobretudo aquele pequeno e perdido
episódio francófono que Francis Ford Coppola adicionou à versão final de «Apocalypse
Now Redux» (1979 / 2001) – alguma família dissipada entre o seu próprio
interior comum e um futuro inóspito, violento, hostil, que ainda não mostrara as garras em definitivo. Essa duplicidade cinematográfica ‘reflexo/refracção’
é-nos dada sem paliativo por aquela casa de banho onde quase todos se refrescam,
todos na transparência se desejam mas, por fora, vemos encriptada pelas imagens
da floresta que um dia os expulsará.
A
Mãe apenas deseja comprar mais cinco hectares férteis e ressarcir o montante em
dívida da área alagadiça contra a qual montou uma frágil barragem consumida por
caranguejos. O calor aperta, o cavalo está doente e o Citroën está a cair aos
bocados. Por mais que se esforce, as inglórias tarefas não têm fim e as
cartas enviadas não chegam ao destino. A filha, Suzanne, é pretendida por
alguns mas apenas deseja partir com um caçador de tigres. O filho Joseph é
quase imprestável. Apenas lhe resta o desalento irritado, a sesta para evitar o
calor e o submisso capataz – um cerimonioso nativo, amável e amigo.
Todo a história afinal é a eterna condição feminina, condição de mãe,
condição de filha.
A condição final de sitiado, de expatriado.
A irrefutável condição do exílio.
30
de março de 2025
«Uma
Barragem Contra o Pacífico». Uma adaptação de Geneviève Serreau a partir do
texto de Marguerite Duras. Tradução: Lúcia Liba Mucznik. Encenação: Álvaro
Correia. Com Bruno Soares Nogueira (o vizinho), David Pereira Bastos (Senhor
Jo), Erica Rodrigues (Carmen / Lina), Íris Cañamero (Suzanne), João Cabral (o
caixeiro viajante), João Jesus (Joseph), Qiming Liu (o capataz), Teresa Gafeira
(a Mãe). Cenografia e figurinos: Sérgio Loureiro. Música: Sofia Vitória /
Margarida Campelo (piano), Kristina Van de Sand. Desenho de luz: Guilherme
Frazão. Produção: Teatro Municipal Joaquim Benite / Companhia de Teatro de
Almada. 110 minutos, aproximadamente. Teatro Municipal Joaquim
Benite.
14
de março a 6 de abril.
Quinta-feira
a Sábado – 21h00. Quarta-feira e Domingo – 16h00.
Sem comentários:
Enviar um comentário