terça-feira, 6 de agosto de 2019

Sobre o filme «Os Esquecidos» de Luis Buñuel, 1950

























Este é um muito belo mas agreste filme sobre a vida miserável da infância nos subúrbios da cidade do México. Parecendo “neo-realista” pelo apelo inicial às forças progressistas do futuro, logo dá o dito pelo não dito avisando que a coisa que vamos ver não será optimista.

Talvez, então, “realista”…Também não. A tensão que apresenta, entre a carga onírica e a força erótica, retira a atenção do ‘objecto social’ e coloca-a sobre o desejo interior por realizar de cada um dos personagens. As cenas de sedução entre a mãe de Pedro (Stela Inda) e ‘El Jaibo’ (Roberto Cobo) ou as cenas do sonho-pesadelo de Pedro (Alfonso Mejía) condensado no desejo pela mãe que o repudia, terminando na disputa pelo pedaço de carne crua entre ele e ‘El Jaibo’, são tão explícitas que não deixam margem para interpretações directamente ‘políticas’.

Também pouco tem de ‘romantismo’. Mais uma vez, o simbolismo e as suas interpretações. Os galos e as galinhas que representam a morte ao aproximarem-se da personagem ou são mortas elas mesmas à paulada; a violência extrema dos jovens sobre D. Carmelo, o cego (Miguel Inclán), ou sobre o aleijado que fica sem o carro de apoio que rola rua abaixo; ou as cenas eróticas em que Meche espalha leite de burra nas pernas ou quando ela se vê no colo libidinoso de D. Carmelo e aponta-lhe a faca; ou quando o pedófilo (Charles Roomer) tenta seduzir Pedro (olhados através do silêncio do vidro de uma montra), digamos que o filme tudo está impregnado uma pulsão sexual máxima e de uma brutal vontade de destruição. Só ultrapassada pela imagem de morte de ‘El Jaibo’ secundado no estertor final por um cão que corre sobre a imagem e a do corpo de Pedro a rolar lixeira a baixo a um segundo da palavra 'fin'.

Difícil de definir a genial arquitectura deste drama que expõe a violência como modo estético e a ausência-presença de afecto condensada simplesmente na oferta e na devolução do colar com o redentor dente de um morto do cemitério por parte de ‘Ojitos’ (Mario Ramirez) a Meche.

(Fiquei a pensar que relação teria este filme – dentro de mim – com «Juventude Inquieta / Rumble Fish» Francis Ford Coppola 1983, «Amor Sem Barreiras / West Side Story» Jerome Robbins & Robert Wise 1961, «Ladrões de Bicicletas» Vittorio De Sica 1948, «Aniki Bóbó» Manoel de Oliveira 1942).

jef, julho 2019

«Os Esquecidos» (Los Olvidados) de Luis Buñuel. Com Alfonso Mejía, Stela Inda, Miguel Inclán, Roberto Cobo, Alma Delia Fuentes, Francisco Jambrina, Efrain Arauz, Javier Amezcua, Mario Ramirez, Juan Villegas, Jorge PérezJesús Garcia Navarro, Hector López Portillo, Ángel Merino, Ramón Martinéz, Diana Ochoa, Francisco Muller, Salvador Quiroz, José Moreno Fuentes, Charles Roomer, Ignacio Solorzano. Argumento: Luis Buñuel e Luis Alcoriza. Fotografia: Gabriel Figueroa; Música: Rodolfo Halffter sobre temas de Gustavo Pittaluga. Produção: Ultramar Filmes, Oscar Dancigers e Jaime Menasco. 1950, México, P/B, 80 min.

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