sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Sobre o filme «Viridiana» de Luis Buñuel, 1961












O mais espantoso em «Viridiana» é o facto deste filme conter todos os ‘sinais de Buñuel’, mantendo-os, porém, ofuscados pela cena da ‘última ceia’ dos mendigos fotografada à Leonardo da Vinci com ‘a máquina fotográfica’ que a mãe oferecera à pobre mulher quando ela nasceu. Tal a cena é violenta, bela, brutal, crucial, central, omnipresente, no filme. Tudo parece ficar a quilómetros de distância quando o cego (Joaquín Roa), ao sair da sala, leva nos passos arrastados o véu nupcial da noiva morta. 
Este filme parece um dicionário buñueliano.

a)     A vestal, quase vegetal, Viridiana (Silvia Pinal) é a impoluta e casta mulher até ao derradeiro momento, como o é Meche em «O Bruto», Gloria em «Ele», Severine em «Bela de Dia», Rosario em «Uma Mulher sem Amor», Conchita em «Este Obscuro Objecto de Desejo»,…
b)    Os animais, sempre os animais! O cão que é salvo da carroça e o gato que salta sobre o rato parecem os companheiros mais queridos de «Robinson Crusoe».
c)     A abelha retirada do tanque parece a mosca salva do dry martini em «Este Obscuro Objecto de Desejo».
d)    O kit que Viridiana traz na mala para rezar (ou para se penitenciar) surge como o material que Francisco Galván leva até sua mulher para, talvez, a seviciar, em «Ele».
e)     A atracção homossexual que D. Jaime (Fernando Rey) tem pelas roupas nupciais da sua noiva morta é a mesma tida por Robinson Crusoe e o Sexta-feira.
f)      D. Jaime ou mesmo o primo Jorge (Francisco Rabal) poderiam ser Francisco Galván em «Ele», Andrés Cabrera em «O Bruto», Don Quintin em «A Filha do Engano».
g)     A abnegação espiritual, a prática caritativa e a eterna dúvida de consciência espiritual, faz de Viridiana um «Nazarin».
h)    A duplicidade das personalidades femininas entre Viridiana e Ramona (Margarita Lozano) parece as duas Conchitas em «Este Obscuro Objecto de Desejo» ou o duelo de semelhanças entre Beatriz e Andara em «Nazarin».
i)       Os pés de Rita (Teresa Rabal) que saltam à corda têm o mesmo peso definidor dos pés de Gloria cobiçados por Francisco Galván em «Ele».
j)       E os mendigos que repastam e divertem têm o mesmo cariz político, demoníaco e dramático das prostitutas em «Nazarin», as famílias em «O Bruto» ou «A Filha do Engano».

Poderíamos ficar aqui a fazer comparações mais ou menos tolas, porém, nada se compara com «Viridiana» nessa sua repulsa-atracção em tocar a sedosa e apelativa teta pendente da vaca, instigada pelo vaqueiro, quando, logo depois, a cena é abruptamente interrompida pela criança, que vai derramar o leite na cabeça do animal.

Digam o que disserem, «Viridiana» é um filme genial!

jef, julho 2019

«Viridiana» de Luis Buñuel. Com Silvia Pinal, Francisco Rabal, Fernando Rey, Margarita Lozano, Joaquín Roa, Teresa Rabal, José Calvo, Victoria Zinny, Luis de Heredia, José Manuel Martin, José Carcia Tienda, Lola Gaos, Rosita Yarsa, Maruja Isbert. Argumento: Luis Buñuel, Julio Alejandro. Fotografia: Férnandez Aguayo; Música: Mozart: Requiem; Haendel: Messias; Beethoven: 9ª Sinfonia. Produção: Gustavo Alatriste, Pedro Portabella, Ricardo Muñoz Suay. 1961, México / Madrid, P/B, 90 min.

Sem comentários:

Enviar um comentário