quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Sobre o livro «A Única História» de Julian Barnes. Quetzal, 2019. Tradução: Helena Cardoso.















«Preferiam amar mais e sofrer mais; ou amar menos e sofrer menos? Esta é afinal, penso eu, a única, a verdadeira questão.»

Começa Julian Barnes sem rodeios. Explica depois, continuando nos prolegómenos, que afinal, não é essa a questão primeira. Porque não é uma questão de escolha. Se conseguimos controlar o sentimento será uma coisa a que não se chamará amor. E cada um só contará uma história, a única história. E contá-la-á tantas vezes a si próprio, por sobrevivência ou autocomiseração, que a verdade se vai afastando ou aproximando sem aviso. É preciso ter cuidado, avisa o protagonista que é cauteloso e vai iniciar a narração.

O escritor no seu jeito muito particular que é, em partes iguais, claro, terno e impiedoso, narra uma história de felicidade, realmente única, que, por inerência do étimo da palavra amor, transporta o grau adjacente de sofrimento, como já avisara no início.

Julian Barnes, mestre em dizer tudo, explicitamente, mas por poucas palavras, conta esta história entre dois seres saídos de mundos tão vizinhos mas tão diferentes, cuja alegria se vai transformando não em desespero mas numa certa melancolia tácita. Apesar de, como mais uma vez chamara a tenção, o protagonista jamais se alimenta de autopiedade.

Julian Barnes é brilhante na confirmação de que a vida é bela mas terrivelmente difícil e que o amor e o sofrimento não se podem colocar nos pratos de uma balança mas sim sobre o paralelismo das linhas (e das vidas) que se sobrepõem. «Vejo que o amor severo também é severo para quem ama», conclui.

[Sem razão explicável, quando acabei de ler o livro recordei um dos filmes da minha vida. «Breve Encontro» de David Lean (1945). E não terá sido apenas pelo modo como se escutam os concertos para piano. No filme, Laura e Alec encontram-se sob o véu de Rachmaninov. No livro, Susan e Casey Paul ouvem Prokofiev como ponto de fuga ou lógica de sedução.]

jef, agosto 2019

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