Estrelas do Céu
Quem
teve ocasião de contemplar o firmamento na noite de 20 de Janeiro (de 1993),
reparou por certo como ele estava claro, sem sombra de nuvens e invulgarmente
brilhante. A razão deste fenómeno é simples, mas triste: acabava de desaparecer
da face da Terra uma das mais luminosas estrelas do cinema mundial – Audrey
Hepburn.
Audrey
Hepburn foi uma mulher muito especial, daquelas cuja graciosidade e coerência,
nos fará sempre tirar o chapéu e, muito humanamente, respeitar. Com o eterno ar
de menina educada e frágil, mostrou um perfil de elegância e charme
incomparável e um olhar de uma ternura sedutora, a que era (e ainda é) muito
difícil resistir. Poucas foram as actrizes que ofereceram ao ecrã e aos seus fãs
uma imagem tão bela e, ao mesmo tempo, tão inteligente.
Embora
já conhecesse os palcos de comédia britânica há alguns anos, foi em 1952, com
23 anos, que chegou ao êxito da Broadway com a peça «Gigi», e à fama de
Hollywood com o filme de William Wyler «Férias em Roma» (1953). Audrey Hepburn
entrava como um cometa no estrelato mundial. A partir dessa altura jamais
deixou de ser dirigida pelos nomes maiores do cinema americano – Billy Wilder,
King Vidor, Stanley Donen, John Huston ou Blake Edwards –, e de estar rodeada
de outras tantas lendas de Hollywood – Humphrey Bogart, Henry Fonda, Gregory
Peck, Cary Grant, Gary Cooper ou Fred Astaire.
Em
todo o mundo, o público rendeu-se ao encanto vagamente envergonhado das suas
personagens, quer elas fossem Natasha (de «Guerra e Paz»), Sabrina (cujos
sapatos fizeram moda) ou Cinderela (em «Funny Face»). De entre todas elas,
Eliza Doolittle é aquela que perdura na memória de maior número de cinéfilos.
«My Fair Lady» estreia em 1964, envolto em esplendor mas, também, em polémica.
George Cukor, o mestre-realizador, impõe Audrey contra a opinião da produtora,
cuja preferência ia para Julie Andrews que, nos palcos da Broadway, tinha sido
Eliza durante anos a fio e com enorme êxito.
Na
origem deste musical está a peça Pigmalião de Bernard Shaw, em que o artista se
apaixona pela perfeição da sua obra-prima. Rex Harrison (Henry Higgins), gentleman estudioso da língua inglesa,
para quem a palavra “mulher” é sinónimo de “estorvo”, aposta que uma jovem sem
instrução, vendedeira de flores, irá ainda um dia às corridas de cavalos de
Ascot sem ser notada. Para isso, bastaria ensiná-la a falar correctamente o
inglês. Claro está que Audrey Hepburn o consegue e, no fim, prova ser uma
verdadeira fair lady. E se Mr.
Higgins, obviamente, se apaixona pela sua obra-prima, Cukor não o deve ter
ficado menos, caso contrário como se explicaria o modo como a filmou,
rodeando-a de tão magníficos actores secundários e de tão fabuloso (e discutido
e caríssimo) guarda-roupa.
Pois
é, enquanto paira a tristeza da sua morte, vai rodando no gira-disco a
encantadora banda-sonora (Alan Jay Lerner e Frederick Loewe) onde, apesar de
algumas canções serem dobradas por Marni Nixon (outra polémica do filme), lá
aparece para nosso deleite, a sua voz frágil e inconfundível. Fica, por fim, a
alegria de podermos rever os filmes dessa princesa, de grandes olhos e pescoço
esguio, e de a recordar como o anjo que salva anjos, na sua derradeira e extraordinária
aparição no filme de Steven Spielberg, «Always» (1989), ou na ajuda que
prestou, quase até ao fim, às missões da UNICEF por terras de África.
p.s.
e desculpando-me pela quantidade astronómica de adjectivos e nomes próprios
deste texto, a que não me quis furtar, pergunto em que disco encontrarei a
canção «Moon River» (Johnny Mercer / Henry Mancini), tema de outro clássico da
nossa estrela no céu, «Breakfast at Tiffany's» (1961)?
16
de março de 1993
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