quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Para Além do Bem e do Mal
























































Para Além do Bem e do Mal

O filme mal acaba, as luzes da sala mal acendem e há já quem diga, ainda de casaco na mão, que «Tão Longe, Tão Perto!» não se compara com As Asas do Desejo (1987) e que Wim Wenders devia estar com juízo a arder quando se meteu a fazer continuações à americana e, pior, resolveu explorar o humor comum da comédia policial. Se esta opinião pode fazer algum sentido para quem se habituou a apreciar o cinema solitário e íntimo de Wim Wenders, ela revela-se, por outro lado, perfeitamente ingrata e precipitada.

O cinema alemão de Wim Wenders (e de todos os artistas que sempre o rodearam, a começar por Peter Handke) suporta sobre os ombros a angústia de um passado nazi da sua pátria (e não deles próprios) e a terrível herança de cidades, estradas e vidas separadas e sem destino: Alice nas Cidades (1973), Movimento em Falso (1975) e Ao Correr do Tempo (1976) são exemplos definitivos. Mas Wim Wenders não pretende deixar a História a meio e, anos mais tarde, resolve filmar o centro da ferida, povoando o céu que cobre Berlim de anjos irremediavelmente atraídos pelas almas torturadas, mas coloridas, dos habitantes da cidade dos muros e dos conflitos. Com As Asas do Desejo inventa um novo expressionismo para o cinema, humano e universal, e quebra as fronteiras do tempo, da cultura e da realidade. Em Até ao Fim do Mundo (1990) amplia esta ideia chegando aos limites do sonho, através da multiplicação das paisagens, dos actores e de uma banda sonora caleidoscópica. Mas a queda do muro de Berlim obriga o realizador a fechar a Trilogia do Mundo, fazendo-o voltar à cidade que, apesar de já não ter muro, continua sitiada.

«Tão Longe, Tão Perto!» é uma parábola terna e humorística sobre o Universo e o Tempo por nós criados e dos quais somos prisioneiros, protagonizada por anjos que sonham estar perto dos homens e por homens que pensam que os anjos são seres longínquos e inatingíveis. «Tão Longe, Tão Perto!» é, para além do bem e do mal, um filme optimista que acaba por se rir do próprio cinema, de si próprio, quando, na belíssima cena final, reúne no convés da barcaça Alekhan, em jeito de retrato de família, toda a sorridente legião de figuras angelicais, fazendo recordar a mestria de Jean Vigo em L’Atalante (1934).

 

24 de janeiro de 1994

jef

«Tão Longe, Tão Perto!» (In Weiter Ferne, So Nah!)  de Wim Wenders. Com Otto Sander, Peter Falk, Horst Buchholz, Mikhail Gorbachev, Nastassja Kinski, Heinz Rühmann, Bruno Ganz, Solveig Dommartin, Rüdiger Vogler, Lou Reed, Willem Dafoe, Monika Hansen, Günter Meisner, Ronald Nitschke, Hanns Zischler, Martin Olbertz, Aline Krajewski, Tilmann Vierzig, Antonia Westphal, Ingo Schmitz. Argumento: Wim Wenders, Ulrich Zieger, Richard Reitinger. Produção: Wim Wenders e Ulrich Felsberg. Fotografia: Jürgen Jürges. Música: Laurent Petitgand, Graeme Revell. Guarda-roupa: Esther Walz. Alemanha, 1993, Cores, 146 min.

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