Para Além do Bem e do Mal
O
filme mal acaba, as luzes da sala mal acendem e há já quem diga, ainda de
casaco na mão, que «Tão Longe, Tão Perto!» não se compara com As Asas do Desejo (1987) e que Wim
Wenders devia estar com juízo a arder quando se meteu a fazer continuações à
americana e, pior, resolveu explorar o humor comum da comédia policial. Se esta
opinião pode fazer algum sentido para quem se habituou a apreciar o cinema
solitário e íntimo de Wim Wenders, ela revela-se, por outro lado, perfeitamente
ingrata e precipitada.
O
cinema alemão de Wim Wenders (e de todos os artistas que sempre o rodearam, a
começar por Peter Handke) suporta sobre os ombros a angústia de um passado nazi
da sua pátria (e não deles próprios) e a terrível herança de cidades, estradas
e vidas separadas e sem destino: Alice
nas Cidades (1973), Movimento em
Falso (1975) e Ao Correr do Tempo
(1976) são exemplos definitivos. Mas Wim Wenders não pretende deixar a História
a meio e, anos mais tarde, resolve filmar o centro da ferida, povoando o céu
que cobre Berlim de anjos irremediavelmente atraídos pelas almas torturadas,
mas coloridas, dos habitantes da cidade dos muros e dos conflitos. Com As Asas do Desejo inventa um novo
expressionismo para o cinema, humano e universal, e quebra as fronteiras do
tempo, da cultura e da realidade. Em Até
ao Fim do Mundo (1990) amplia esta ideia chegando aos limites do sonho,
através da multiplicação das paisagens, dos actores e de uma banda sonora
caleidoscópica. Mas a queda do muro de Berlim obriga o realizador a fechar a Trilogia do Mundo, fazendo-o voltar à
cidade que, apesar de já não ter muro, continua sitiada.
«Tão
Longe, Tão Perto!» é uma parábola terna e humorística sobre o Universo e o
Tempo por nós criados e dos quais somos prisioneiros, protagonizada por anjos
que sonham estar perto dos homens e por homens que pensam que os anjos são
seres longínquos e inatingíveis. «Tão Longe, Tão Perto!» é, para além do bem e
do mal, um filme optimista que acaba por se rir do próprio cinema, de si
próprio, quando, na belíssima cena final, reúne no convés da barcaça Alekhan, em jeito de retrato de família,
toda a sorridente legião de figuras angelicais, fazendo recordar a mestria de
Jean Vigo em L’Atalante (1934).
24
de janeiro de 1994
jef
«Tão
Longe, Tão Perto!» (In Weiter Ferne, So Nah!)
de Wim Wenders. Com Otto Sander, Peter Falk, Horst Buchholz, Mikhail
Gorbachev, Nastassja Kinski, Heinz Rühmann, Bruno Ganz, Solveig Dommartin, Rüdiger
Vogler, Lou Reed, Willem Dafoe, Monika Hansen, Günter Meisner, Ronald Nitschke,
Hanns Zischler, Martin Olbertz, Aline Krajewski, Tilmann Vierzig, Antonia
Westphal, Ingo Schmitz. Argumento: Wim Wenders, Ulrich Zieger, Richard
Reitinger. Produção: Wim Wenders e Ulrich Felsberg. Fotografia: Jürgen Jürges.
Música: Laurent Petitgand, Graeme Revell. Guarda-roupa: Esther Walz. Alemanha,
1993, Cores, 146 min.
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