quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Sobre o filme «Umberto D.» de Vittorio De Sica, 1952



 
























O crítico francês André Bazin (1918-1958) apaixona-se por «Umberto D.».

Como anteriormente se apaixonara por «Ladrões de Bicicletas» (1948), esse expoente do neo-realismo teatral ou, depois pelo realismo-fantasioso de «O Milagre de Milão» (1951). Mas é com este que Bazin aproxima De Sica da centelha poética de Charlot de Chaplin. Sublinhando que o cinema de De Sica (e do argumento de Cesare Zavattini) é só possível porque está condicionado a um acto de amor.

«Não hesitarei em afirmar que o cinema raramente foi tão longe na tomada de consciência do facto de se ser homem. (E também, afinal, do facto de se ser cão).

Como é possível não nos apaixonarmos também por esse deambular tão concreto, tão realista e lento, tão importante como desnecessário, de Maria (Maria Pia Casilio), secretamente grávida, desde que se levanta até aquecer a água, moer o café, empurrar a porta com a ponta do pé ou afogar o carreiro de formigas na parede. Tudo lento e desnecessário, imprescindível para comprrendermos como é feito o acto de viver . Tal como as cenas de Umberto D a perguntar a Maria por um termómetro pois está a snetir-se. (O espectador fica atento ao percurso do termómetro). Afinal, Umberto D(omenico Ferrari). Porém, quando alguém se aposenta da função pública e fica sem dinheiro para pagar o quarto a identidade parece deixar de importar. Um quarto alugado por bom e esforçado dinheiro a Antonia Belloni, a senhoria (Lina Gennari), pelo qual vendeu o seu relógio de bolso. Um quarto que dá guarida ao seu melhor amigo, um cãozinho, aparentado a um “jack terrier”, de seu nome Flike. É Flike que fará toda a ligação dramática da narrativa recusando o abandono, recusando a entrega ao destino funesto, recusando o suicídio, oferecendo-se à vida.

Existe no filme qualquer coisa de burlesco, de sorriso lacrimoso, de combate ao final que a sociedade parece outorgar às personagens, também de revolta perante o que nada parece estar para chegar. Um filme onde o tempo durante o qual contemplamos (sem tempo) as personagens é o dogma realista de como podemos observar a obstinada sobrevivência de Umberto D, de Maria e do Flike. Reencontrar-se-ão, reencontrarão o sentido da vida?

Não o sabemos. Apenas ficamos a conhecer como o cinema pode ser um absoluto e indefectível acto de amor. A sua própria definição.


jef, agosto 2025

«Umberto D.» de Vittorio De Sica. Com Carlo Battisti, Maria Pia Casilio, Lina Gennari, Ileana Simova, Elena Rea, Memmo Carotenuto, Alberto Albani Barbieri, Pasquale Campagnola, Riccardo Ferri, Lamberto Maggiorani, De Silva. Argumento: Cesare Zavattini. Produção: Giuseppe Amato, Vittorio De Sica, Angelo Rizzoli. Fotografia: G.R. Aldo. Música: Alessandro Cicognini. Itália, 1952, P/B, 89 min.

 

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