O
crítico francês André Bazin (1918-1958) apaixona-se por «Umberto D.».
Como
anteriormente se apaixonara por «Ladrões de Bicicletas» (1948), esse
expoente do neo-realismo teatral ou, depois pelo realismo-fantasioso de «O
Milagre de Milão» (1951). Mas é com este que Bazin aproxima De Sica da centelha
poética de Charlot de Chaplin. Sublinhando que o cinema de De Sica (e do
argumento de Cesare Zavattini) é só possível porque está condicionado a um acto
de amor.
«Não
hesitarei em afirmar que o cinema raramente foi tão longe na tomada de
consciência do facto de se ser homem. (E também, afinal, do facto de se ser
cão).
Como
é possível não nos apaixonarmos também por esse deambular tão concreto, tão
realista e lento, tão importante como desnecessário, de Maria (Maria Pia
Casilio), secretamente grávida, desde que se levanta até aquecer a água, moer o café, empurrar a porta
com a ponta do pé ou afogar o carreiro de formigas na parede. Tudo lento e desnecessário, imprescindível para comprrendermos como é feito o acto de viver .
Tal como as cenas de Umberto D a perguntar a Maria por um termómetro pois está a snetir-se. (O espectador fica atento ao percurso do termómetro). Afinal, Umberto D(omenico Ferrari). Porém, quando alguém se
aposenta da função pública e fica sem dinheiro para pagar o quarto a identidade parece deixar de importar. Um quarto alugado por bom e esforçado dinheiro a Antonia
Belloni, a senhoria (Lina Gennari), pelo qual vendeu o seu relógio de
bolso. Um quarto que dá guarida ao seu melhor amigo, um cãozinho, aparentado a
um “jack terrier”, de seu nome Flike. É Flike que fará toda a ligação
dramática da narrativa recusando o abandono, recusando a entrega ao destino
funesto, recusando o suicídio, oferecendo-se à vida.
Existe
no filme qualquer coisa de burlesco, de sorriso lacrimoso, de combate ao final
que a sociedade parece outorgar às personagens, também de revolta perante o que nada
parece estar para chegar. Um filme onde o tempo durante o qual contemplamos (sem
tempo) as personagens é o dogma realista de como podemos observar a obstinada
sobrevivência de Umberto D, de Maria e do Flike. Reencontrar-se-ão, reencontrarão
o sentido da vida?
Não o sabemos. Apenas ficamos a conhecer como o cinema pode ser um absoluto e indefectível acto de amor. A sua própria definição.
jef,
agosto 2025
«Umberto
D.» de Vittorio De Sica. Com Carlo Battisti, Maria Pia Casilio, Lina Gennari, Ileana
Simova, Elena Rea, Memmo Carotenuto, Alberto Albani Barbieri, Pasquale
Campagnola, Riccardo Ferri, Lamberto Maggiorani, De Silva. Argumento: Cesare
Zavattini. Produção: Giuseppe
Amato, Vittorio De Sica, Angelo Rizzoli. Fotografia: G.R. Aldo. Música: Alessandro
Cicognini. Itália, 1952, P/B, 89 min.
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