Nunca
entendi muito bem o que significa o cinema italiano neo-realista. Por ignorância
minha e por nunca me ter debruçado afincadamente sobre as teorias sobre ele
elaboradas. Os meus pais eram devotos do cinema (e deste em particular) e com
eles aprendi a também ser devoto de «Ladrões de Bicicletas (Vittorio De Sica, 1948)
e «A Terra Treme» (Luchino Visconti, 1948), expoentes deste cinema. Com estes filmes (estreados no
mesmo ano), percebi a carga política socio-económica de uma Europa a sair de
uma grande guerra, a miséria de quem trabalhava sem proventos e a necessidade de
exaltar a revolta dos explorados para que uma ordem mais justa surgisse. Nestes
filmes tudo batia certo, a estética dos planos, o desespero no interior da
comoção, o actores-não actores a representarem o dédalo injusto de uma
sociedade que lhes negava a vida.
Contudo,
ao deparar-me com outras maravilhas do cinema italiano, como por exemplo os
seis episódios que integram «O Ouro de Nápoles», saio com o deleite do
expressionismo das personagens, com a comicidade teatral de algumas das figuras
e, mesmo naqueles dois trechos definitivamente trágicos, “Funeralino” e “Teresa”, a
ideia que me fica da mãe órfã do filho, protagonizado por Teresa De Vita, e a
esposa por consumar, encarnada por Silvana Mangano, a ideia que retenho é de um
hiperactivo expressionismo interior, longe da assunção socio-política que me
haviam proposto inicialmente. Talvez mais próximo de um existencialismo Dreyer, Bresson ou
Bergman. Mas talvez seja eu que esteja a confundir tudo, a tudo complicar.
É
evidente que a histriónica e emocional Nápoles, da alegria e dos desvalidos,
dos gritos e do povo na rua, está lá toda. E os ricos são sempre farsantes ou
mentirosos e os pobres, apesar de também por vezes mentirosos, são sempre olhados
com um carinho descomunal – Totò (Don Saverio) contra Pasquale Cennamo (Don
Carmine) em “Il Guappo”. Pierino Bilancioni (o pequeno Gennarino) contra Vittorio
De Sica (Il conte Prospero B.) em “I Giocatori”. Eduardo De Filippo (Don
Ersilio) contra Gianni Crosio (Alfonso Maria di Sant'Agata dei Fornai) em “Il
professore”.
Ao
ver estes episódios napolitanos recordo outro filme sobre a mesma cidade «As
Mãos Sobre a Cidade» (Francesco Rosi. 1963). Não será este último, esteticamente também irrepreensível, quase uma década mais tarde, muito mais político, contendo sem apelo ou agrave
uma crítica profunda a uma sociedade que deixa os mais pobres para trás, um filme muito mais “neo-realista”?
Enfim, permanecendo sem saber lá muito bem como catalogar o cinema italiano,
continuo a dever-lhe extrema devoção.
jef,
agosto 2025
«O
Ouro de Nápoles» (L'oro di Napoli) de Vittorio De Sica. Com Totò, Lianella
Carell, Sophia Loren, Paolo Stoppa, Pasquale Cennamo, Agostino Salvietti, Giacomo
Furia, Alberto Farnese, Tecla Scarano, Pasquale Tartaro, Teresa De Vita, Vittorio
De Sica, Pierino Bilancioni, Lars Borgström, Mario Passante, Silvana Mangano, Erno
Crisa, Ubaldo Maestri, Eduardo De Filippo, Tina Pica, Nino Imparato, Gianni
Crosio. Argumento: Cesare Zavattini, Vittorio De Sica, Giuseppe Marotta. Produção: Dino de Laurentiis, Carlo Ponti. Fotografia:
Carlo Montuori. Música: Alessandro Cicognini. Itália, 1954, P/B, 131 min.
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