terça-feira, 5 de agosto de 2025

Sobre o filme «Robot Dreams - Amigos Improváveis» de Pablo Berger, 2023
































Nova Iorque, anos 80 do século passado. A mesma solidão, a permanente busca pelo espelho de um afecto desejado mas irreal. A televisão pouca companhia faz, os jogos vídeos provocam o tédio crepuscular. Até que chega o anúncio com uma campanha apelativa de "construa o seu próprio robot de companhia".

Apenas esse. O desejo do Cãozinho e da sua verdadeira procura, encontro e, talvez, depois, inevitável abandono urbano. Porque tudo acaba nesse ponto final. Que constitui um inevitável recomeço. Afinal, o Robot reconstruído coloca uma cassete áudio dos Earth, Wind & Fire e a canção “September” sugere esse mesmo recomeço final. Porém, tudo parece impreciso, senão improvável ou mesmo funesto, como em muitos melodramas clássicos. (Lembro-me das pungentes e derradeiras cenas de «Os Chapéus de Chuva de Cherburgo» de Jacques Demy, 1964). Contudo, todo o afecto pode ser reconstruído, a ferrugem, liquidada, a praia reaberta ao público e o barbecue estará sempre à espera da despreocupação de fim-de-semana propício. Outros robots serão adquiridos e os animais da selva nova-iorquina encontrar-se-ão algures em citadino e alegre convívio.

A história de quadradinhos de Sara Varon é passada para filme pela equipa de Pablo Berger num modelo tão atraente como antiquado, onde a inteligência artificial e o digital ficam submetidos à velha e comum percepção dos eternos desenhos animados vistos durante décadas.

Um comovente exercício estético sobre uma cidade que, assim, já deixou de existir.

Tudo contado sem sequer ouvirmos uma palavra dita e dialogada. Um prodígio de capacidade narrativa do moderno (e antiquado) cinema de animação.


jef, agosto 2025

«Robot Dreams - Amigos Improváveis» (Robot Dreams) de Pablo Berger. Argumento: Pablo Berger segundo a banda desenhada de Sara Varon. Produção: Ibon Cormenzana, Ignasi Estapé, Sandra Tapia, Jérôme Vidal e Pablo Berger, Lokiz Films, Noodles Production, Les Films du Worso. Direcção de arte: José Luis Ágreda. Música: Alfonso de Vilallonga, tendo por fundo o tema “September” dos Earth, Wind & Fire. Espanha / França, 2023, Cores, 102 min.

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