quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Sobre o filme «O Ornitólogo» de João Pedro Rodrigues, 2016






















Por algum rio acima.
São as falésias do rio Douro, o lado internacional, mas podiam ser as margens de um outro rio qualquer, não fossem as Ciconia nigra (cegonha-negra), os Neophron percnopterus (britango ou abutre do Egipto), os Gyps fulvus (grifo), as Aquila chrysaetos (águia-real).
«O Ornitólogo» é o filme de João Pedro Rodrigues esteticamente mais consistente. O realizador vai construindo, filme a filme, passo a passo, imagem a imagem, um dicionário de ideias muito próprio, colocando o abstracto ao lado do figurativo, identificando uma linguagem que será apenas sua. Isso não é para todos.
Em «A última vez que vi Macau» (2012) trouxe a abstracção da linguagem estética chinesa. Agora funde-a com as cores dos caretos mirandeses e multiplica a língua de Miranda com o latim. Traz a estranha e decrépita Via Sacra do Bussaco para perto das Amazonas e cola-as ao lado das imagens pagãs, voyeuristas, escatológicas, belas, com que o catolicismo enche o seu abecedário. Da vida secreta de Santo António ao estranho suplício de São Sebastião. Evoca a Tapada de Mafra e as serras de Montesinho. Coloca máscaras e sexualidades distintas entre antúrios vermelhos e rinocerontes embalsamados. O pecado, a culpa, o sacrifício, a redenção, também lá estão, e no centro. O sermão aos peixes também.
Parece que nada faz sentido. Mas o modo metafísico da estética, que é uma moral indistinta, resolve o problema.
Basta pensar na luz de Caravaggio, Rembrandt, Hopper, Mizoguchi ou Mishima. Também ela não faria sentido.


jef, outubro 2016

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