quarta-feira, 19 de outubro de 2016

sobre o livro «A Lebre de Olhos de Âmbar – Uma Herança Escondida» de Edmund de Waal, Sextante 2012














[É bom não esquecer épocas, não esquecer histórias, não esquecer livros inesquecíveis. Não esquecer a nossa própria história. Eram dias cinzentos, de eleições europeias... Março de 2014.]

As lágrimas das coisas.
Neste tempo de carnavais tristes, muita chuva, orelhas moucas e falas curtas, termino a leitura de Edmund de Waal. Um livro que, certo dia, Rui Cardoso Martins me instigou a ler. Respiro fundo, o silêncio incha, releio as últimas páginas e digo para mim próprio que nunca o esquecerei. Há livros assim, que pedem mais de nós, mais consciência, mais tempo. Lágrimas também. Revejo as ilustrações que acompanham o decorrer dos capítulos e pergunto-me como é possível estar de novo a ler a mesma história. Estar de novo sem entender como é possível aquela lógica. Penso no presente e não no passado, ao dar conta de umas eleições europeias, muito próximas, agitadas por Marines Le Pens a ocidente, Auroras Douradas mais a leste, e pelo meio…
No final do livro, Viktor Ephrussi conta aos netos como Eneias chora ao ver retratada nas paredes de Cartago a perda irrecuperável da sua Troia. «Sunt lacrimae rerum», as lágrimas das coisas. Agora está refugiada em Inglaterra a velha colecção das 264 figurinhas japonesas em marfim e madeira polidos, meio-talismã, meio-berloque, meio-brinquedo – os netsuke –. Fora (dentro) da sua história natural, distante da sua identidade, sacada da sua casa, da sua vitrine.
Esta é a história de pequenos objectos tácteis, mas é sempre a mesma história, aquela contada de cor por Stefan Zweig, longe da pátria e das estantes; aquela que Amos Oz conta, também ela ilustrada por uma simples fotografia a meio de um livro de amor e de trevas. Edmund de Waal conta-nos como o tacto e a pele e os músculos podem sentir o esplendor e o estupor, a suavidade e a rugosidade de objectos que fazem parte da História da Arte e da Iniquidade Humanas.
Desta história irrecuperável não podemos escapar. O melhor é voltar a lê-la.

jef, março 2014 / outubro 2016

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«O Mundo de Ontem» de Stefan Sweig, Civilização 1953
«Uma História de Amor e Trevas» de Amos Oz, Asa 2007

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