Filme musical.
O filme que mais recordo de João Botelho é «Tempos Difíceis»
(1987), uma alegoria gráfica do romance de Charles Dickens, filmada a preto e
branco, com nuvens recortadas, paredes claras, bairros operários e chaminés.
Tudo definido como num cenário de papelão, como num palco onde as imagens são
personagens e a ficção torna-se o objecto real observado. João Botelho gosta de
tocar em objectos reais (os livros) e transformá-los noutros objectos reais (os
filmes). Todos ficcionais, como num palco. Então, como aprisionar na esquadria definitiva
da imagem filmada o enquadramento ilimitado e simbólico da leitura de um livro?
Como pode João Botelho respeitar os símbolos de uma das obras maiores da
literatura sem desvirtuar a capacidade dramática ilimitada do cinema? Apenas
com o teatro. As imensas telas pintadas por João Queiroz, as cortinas, os
brocados, o damasco e o cetim, os pendões decrépitos de uma monarquia em banca
rota, o palco a ranger, o Sol eléctrico. O pó e as palavras lidas e ditas. A música
essencial a fazer eco nos bastidores.
[1] A minha lista de filmes «musicais» inclui «O Navio» de F.Fellini
(1983), «My Fair Lady» de G.Cukor (1964), «Senso» e «O Leopardo» de L.Visconti
(1954, 1963), «A Flauta Mágica» de I.Bergman (1975), «Evangelho segundo São
Mateus» de P.P.Pasolini (1964).
[2] Parafraseando Ricardo Araújo Pereira, espero que o filme
de João Botelho não sirva apenas para resumir o livro de Eça de Queirós dentro
das salas de aula portuguesas. Que sirva antes para multiplicar-se por
novíssimas leituras.
jef, setembro 2014
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