Sobre o filme «Silêncio» de Martin Scorsese, 2016
Martin Scorsese coloca o dedo na ferida.
A maior incoerência do ente humano é a sua espiritualidade.
Tudo se condensa num diálogo refractário, silencioso mas amplificado.
Lembro-me dos monólogos de Robert Bresson «Diário de Um
Pároco de Aldeia» (1950), de Ingmar Bergman «A Fonte da Virgem» (1960), de
Andrei Tarkovsky «Stalker» (1979), de João Mário Grilo «Os Olhos da Ásia»
(1996), de Hany Abu-Assad «O Paraíso, Agora!» (2005):
O que fazer com o nosso ‘querer’? Onde nos leva o nosso ‘crer’?
Acreditaremos mesmo na nossa vontade? E se ao perigoso caldo sobrepusermos Deus
e a sua Vontade? Qual o limite dessa crença, até onde nos poderá levar?
Contudo, «Silêncio» toca em muitas outras palavras
inevitáveis:
Apostatar, renunciar, abjudicar. Pisar a imagem Cristo para
salvar os cristãos japoneses que estão a ser, para isso, frontalmente
torturados até à morte. Será este um acto igual a renunciar à substância de
Cristo, aos fundamentos divinos, à própria Fé? Os recentes cristãos morrem pela
imagem de Deus na Terra, os padres jesuítas hesitam. Onde paira a verdade? Quem
detém a fé mais inabalável? Uma questão séria que a semiologia deve explicar
para a História das Civilizações compreender.
O símbolo pode alienar a ideia, diria o Islão.
«Faça favor de a pisar, salvá-los-á da morte. Uma mera
formalidade» diz o inquisidor japonês pelo meio de um monólogo incisivo,
racional e lógico, onde devolve o tema do fundamentalismo e da intolerância
para o lado dos jesuítas portugueses que não compreendem a estrutura social do
Japão. Deste lado está a perseguição oficial e ilimitada aos cristãos mas
também o Budismo, o contrato comercial exclusivo com os Holandeses, a disputa feroz
dos mares do rico Oriente pelas potências ocidentais, a miséria de um povo perdido
no meio de um arquipélago medieval, um povo a quem, secretamente, é prometido o
Paraíso se jurar abnegação a um «formal» crucifixo.
Aqui, Martin Scorsese não abandona o dicionário violento,
visual e sonoro, com que costuma abominar Hollywood e os Óscares da Academia,
mas vai colocar essa violência explícita a favor da total abstracção que é a
salvação pelo martírio, o abandono ao suplício, a resistência à dor física, ao
limite da condição vital, à entrega voluntária para a morte. O realizador
consegue, de modo claro, sublinhar a dúvida sistemática embora diversa que atinge
os três missionários da Companhia de Jesus: Cristóvão Ferreira (Liam Neeson),
Sebastião Rodrigues (Andrew Garfield) e Francisco Garupe (Adam Drive). Três
modos de dialogar com o inquisidor. Três modos de encarar o conflito entre a
verdade e a incerteza no desencontro das civilizações.
Martin Scorsese anuncia esteticamente a Dúvida que, quer se
queira ou não, é um dos princípios filosóficos da incoerência espiritual do
ente humano. Do próprio cristianismo. A mesma dúvida que o silêncio fez ecoar,
as mesmas palavras gritadas por Cristo na última hora:
«Pai, por que me abandonaste?».
jef, janeiro 2017
Adoro muito tudos os filmes de Liam Neeson. Eu adoro muito os livros por as histórias e sem dúvida 7 Minutos depois da meia noite é umo dos melhores filmes Liam Neeson, já queria assistir e agora é um dos meus preferidos. Li o livro em que esta baseada faz alguns anos e foi uma das melhores leituras até hoje, e sem dúvida teve uma grande equipe de produção. É muito inspiradora, realmente a recomendo.
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