A imagem de felicidade não se ajusta ao fadista. O fado é o
trauma português, a lamúria de quem vive entre o enorme espaço atlântico e a longa
dinastia dos Filipes. Uma imagem bem envernizada para vender a alma pessoana e
as sardinhas aos milhares de turistas que se aglomeram, hoje, no cais das duas
colunas.
Contudo, Fernando Pessoa e as sardinhas não são objectos
tristes só porque usam óculos, chapéu e bigodinho ou escamas soltas sobre as
brasas. São simplesmente símbolos profundos que contêm muito mais do que
melancolia e espinhas finas.
Também os fadistas não são depressivos. Cantam o que lhes vai
na alma e isso alegra-os e alegra-nos.
Amália era alegre, cantava o que lhe apetecia. Marchas e
modas populares, zarzulelas, bossas novas, hollywoodes. Por vezes, fado. E não
fazia trinados «de la soul». Nunca levantava a voz, só a alma. Nada de berros.
Aquela voz apenas lhe seguia a intuição de génio que, algumas vezes, a
entristecia.
Gisela João é deste mesmo mundo. Uma cantora alegre,
acompanhada por músicos simples e poucos. Maravilhosos! Ricardo Parreira na
guitarra portuguesa, Nelson Aleixo na viola de fado, Francisco Gaspar na viola baixo. Canta Alain Oulman e Alexandre O’Neil, também
Pedro Homem de Melo, David Mourão-Ferreira e Cartola. Canta Carlos Paião, Capicua. E
uma «Llorona» que comoveria Chavela Vargas.
Gisela João canta o que lhe apetece como Amália, e até pode
chamar «Nua» a um álbum sem parecer “assim, tipo coisa e tal”. «Nua» é um disco mesmo
muito bom!
E por fim, fica dito que gosto muito de ver a
Baixa a abarrotar de turistas, nariz no ar, a produzir “selfies” tolas. São
felizes e vêem Lisboa talvez como os lisboetas não vêem. Talvez estes
devessem aprender com eles e sentirem-se muito contentes por ouvir a alegria
que vai na alma desta extraordinária e feliz cantora, Gisela João. Que também fadista!
jef, novembro 2016
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