(Um palco quase vazio. Escuro, excepto o lençol. Nada de
relevante a assinalar a não ser a penumbra da solidão do corpo que dorme ainda –
em jeito de didascália.)
É difícil falar de «A Foz do Mekong» sem revelar o climax da
intriga ou, como se usa agora dizer “fazer spoiler”,
pois se toda a sugestão inicial parece indiciar um simples acto de sedução
entre o jovem estudante de geografia Martim Bernardes (Tomás Andrade) e o seu
professor explicador, o eremita comedor de pizzas e frango, aos fins de semana,
Afonso (Flávio Gil), tudo é desmontado no acto derradeiro deste breve scherzo trágico. Como nos textos ligados
à ópera romântica. A expressão corporal dos actores, digamos coreografia a
sublinhar a marcação de cena, sublinha esse dramatismo expressionista.
Estamos no Delta do Mekong, ou quase lá, por ignorância ou
distração, esse intricado dédalo de canais, ilhas, vegetação tropical, mangais,
barcos, comércio, tudo em agitado silêncio. (Uma Indochina de francofonia
proibida que me fez transportar até ao filme «Apocalipse Now / Redux»,
1979-2019.)
Contudo, ‘a viagem’ é apenas o início, o simulacro de uma
mentira, a mentira de uma aproximação que parece inevitável. Quem é quem para o
outro, o que devemos mostrar ou simular para conseguirmos o nosso intento, ou esconder
o que somos? Esconder para o outro, ou para nós próprios como máscara de
sobrevivência?
Afinal, os papéis estão sempre trocados numa confusa rede de
laços e nós que se desejam e rejeitam alternadamente. Um suspense que se
adensa progressivamente, levando o espectador a julgar, através de uma série de
enganos revelados, que está perante uma trama psicológica, outro dédalo mas de
identidades e classes sociais mentidas, transformando-se afinal no reflexo de
uma pulsão ou de uma repulsão puramente paternal.
Saí da sala com uma sensação abstacta e, sem saber por que
razão, lembrei-me do título de um livro maior de Ray Bradbury «A Morte É Um
Acto Solitário».
Será o Amor também ele um acto falhado, por ser, no fim de
contas, também um acto solitário, por truncado?
Por favor, vão ao teatro! Nunca houve tanto teatro, tão bom e
tão consciente, em Portugal! E para todos os gostos!
jef, 13 de Novembro de 2025
«A Foz do Mekong». Texto e encenação: Fernando Heitor. Com Flávio
Gil (Afonso) e Tomás Andrade (Martim Bernardes). Assistência de encenação:
Teresa Zenaida. Luz: Paulo Graça. Música: João Paulo Soares. Produção: Camarote
Produções. Fotografias: Fernando Santos. 80 minutos.
Boutique da Cultura | Um Teatro em Cada Bairro
14 e 15 de novembro, às 21h00






















