«O autor, aqui como sempre, conta histórias de pessoas normais: dele mesmo, da sua família, da burguesia satisfeita e melancólica, das cidades e das vilórias, gente tristonha e simples, saudosa e esperançosa ao mesmo tempo; histórias de pessoas que vivem apaixonadas ou em solidão, que sonham sem risco e desesperam devagar,…»
Assim
começa a apresentação de João Pinharanda “O Humor Contagiante”. O texto do “crítico
contaminado”, escrito por três páginas em letras maravilhosamente garrafais, resume de modo definitivo o que este livro é. Muito simples ou muito complexo,
são duzentos desenhos perdidos entre o preto e branco e as cores exorbitantes
que contam em duzentas páginas duzentas histórias de um convívio brutal entre
humanos e o vírus inusitado. O humor é contagiante e a melancolia e a solidão
surgem como aquelas folhas de papel de seda translúcidas que antecediam cada página dos
antigos álbuns de fotografia.
E
o que é surpreendente, para além do prazer directo de folhear um amplo álbum de
desenhos A4 como fazíamos em crianças com os grandes livros para colorir, é o
facto muito verdadeiro de André Ruivo ilustrar-se a si próprio e ao seu meio
mais ternamente circunscrito, transferindo (ou decalcando) esses sentimentos
gráficos para a emoção exterior (também gráfica) por que passou cada um dos
leitores nestes quase dois anos de virulento anti-convívio.
Dos
iniciáticos livros do autor, «Sleuth Hound Song» (1998), «Bug» (2000) ou
«Mystery Park» (2012) foram desaparecendo os riscos assintomáticos, os vértices
do confronto, os ângulos agudos de uma abstracção angustiada. As linhas curvas
adoçaram os movimentos das personagens, o olhar enquadra-se no carinho de
pequenos círculos cómicos. A raiva é passageira, benévola, dá vontade de rir; a
melancolia torna-se circunstancial e passageira; o amor e a ternura parecem
rodear cada um deles e, logo, repito, cada um de nós.
Tal
como no Menino Nicolau de Sempé, na Mafalda de Quino, no Quim e no Manecas de
Stuart Carvalhais, no Bartoon de Luís Afonso, André Ruivo recria-se a si
próprio, apresentando-se frente ao leitor com o mais amável espelho. E nós
rimo-nos de nós próprios.
Um
dos melhores livros gráficos publicados em 2021! Viva 2022!