Sempre
me dei bem com a fantasia criativa mais delirante. Mesmo aquela que toca o lado
onírico e surrealista. Gosto de Júlio Verne, Hergé, Cervantes, Gabriel Garcia
Marquez, Lewis Carroll, Homero, Ray Bradbury, Horace Walpole, Mário Henrique Leiria,
Mário de Carvalho, Tim Burton, John Carpenter… Só não consigo entrar muito bem em
histórias que misturam tudo e me tentam dar gato por lebre, finais reais por apressados
deus ex machina, supostos contactos extra-sensoriais
e post mortem e futuros felizes
apesar de fenecidos. Mortos-vivos sim mas fantasmas aquáticos e em apneia
durante horas, não.
Sempre
tive uma predilecção pelos filmes de Christian Petzold: «Yella» (2007),
«Bárbara» (2012), «Phoenix» (2014), «Em Trânsito» (2018). Uma visão muito
determinada e definida, poderíamos dizer “germânica”, de estética e fotografia
irrepreensíveis, muito tocada pela História da Europa e pela consciência da
Alemanha. Sempre com uma banda sonora especial e centrada em duas actrizes
de uma fotogenia exemplar: Nina Hoss e, mais recentemente, Paula Beer.
Pois
aqui, Paula Beer (Undine Wibeau) é muito particular na sua relação intrínseca com
a câmara, no modo tão resoluto da personagem se entregar à história e à acção
emocional.
Também
nos é inevitável o adagio dilacerante em Ré menor de J.S. Bach vindo da
transcrição para cravo de uma certa partitura veneziana (BWV 974).
Também,
o espaço da arquitectura e a história do urbanismo de Berlim Leste, olhado
pelas maquetes monumentais expostas no museu berlinense sobre a habitação, onde
Undine Wibeau é historiadora e guia.
A
suave circulação dos comboios, o plano de água da barragem, os sorrisos silêncios
das personagens.
Tudo parece bater certo. No entanto…
jef,
abril 2021
«Undine»
de Christian Petzold. Com Paula Beer, Franz Rogowski, Maryam Zaree, Jacob
Matschenz, Anne Ratte-Polle, Rafael Stachowiak, José Barros, Julia Franz
Richter, Gloria Endres de Oliveira, Enno Trebs, Christoph Zrenner. Argumento: Christian
Petzold. Fotografia: Hans Fromm. Alemanha, 2020, Cores, 91 min.