sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Sobre o filme «Listen» de Ana Rocha de Sousa, 2020

 













Este é um daqueles filmes que vieram alterar o padrão comercial no cinema português. Tal como «A Herdade» (Tiago Guedes, 2019) ou «Variações» (João Maia, 2019). É um filme que deve encher salas.

É um filme em modo político e social, dir-se-ia de denúncia de uma estranha lei britânica, através da qual crianças de famílias com poucos recursos são-lhes retiradas para adopção em modo «rápido», sem apelo nem agravo judicial. Lembramo-nos da extraordinária cinematografia de Ken Loach, Stephen Frears, Mike Leigh ou Steve McQueen.

Um filme “inglês”, sem pausas, prolegómenos ou planos abertos sobre paisagem. Breve como uma curta-metragem, onde as três crianças de Bela (Lúcia Moniz) e de Jota (Ruben Garcia) são-lhes apartadas e o luto pela ausência e, depois, a possibilidade de retorno é olhada através de planos fechados sobre a expressão angustiada e fundamental de dois grandes actores.

Um filme “de artista”, onde as cores do guarda-roupa, a luz densa e difusa sobre os papéis de paredes, a máquina fotográfica de cartão da pequena Lou (Maisie Sly), a composição dos decores devem ser tidos igualmente na conta emocional de uma tragédia anunciada.

Um filme que, apesar de tudo, deve à cinematografia e à televisão inglesas esse modo ancestral de fazer teatro, que sempre soube devolver ao espectador um certo tempo entre cenas que lhe permita deixar-se ir na corrente emocional (talvez pathos cinéfilo) e, depois, melhor reconheça o dom do cinema maior para enternecer e mobilizar consciências.


jef, outubro 2020

«Listen» de Ana Rocha de Sousa. Com Lúcia Moniz, Sophia Myles, Ruben Garcia, Maisie Sly, António Capelo, Kiran Sonia Sawar, James Felner. Argumento: Ana rocha de Sousa, Paula Vaccaro, Aaron Brookner. Produção: Paula Vaccaro, Rodrigo Areias, Aaron Brookner. Fotografia: Hatti Beanland. Portugal / Grã-Bretanha, 2020,Cores, 73 min.

 

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Sobre o filme «América Proibida» de Tony Kaye, 1998















Talvez seja apenas uma fábula americana, de ontem (e de hoje), muito bem contada, seguindo um princípio de flashbacks (a preto e branco) cruzados com a história que vai correndo nas cores (e nas dores) de uma América retrógrada e fechada. Uma história tão simples quanto difícil de arquitectar. Perceptível, linear, digamos pedagógica. Difícil de acreditar como a ficção se submete à realidade de um mundo que consegue viver sobre as cinzas ainda quentes do holocausto e as brasas da sanguinária Segunda Grande Guerra.

A história dos dois irmãos, o jovem Danny Vinyard fascinado pela capacidade de liderança mobilizadora do irmão, Derek Vinyard, no nocturno mundo neo-nazi americano, aliás cada vez mais diurno, suportada pela inesquecível representação de dois enormes actores: Edward Furlong e Edward Norton. História de uma relação afectiva familiar e de como ela contém a génese educacional do ódio, chegado com pezinhos de lã, através da memória de um pai dogmático, bombeiro morto num incêndio num bairro negro, e de uma mãe doente e conciliadora (a extraordinária Jennifer Lien).

Um filme que eleva Edward Norton ao estatuto de um dos grande actores de sempre. Um filme que devemos recordar num mundo actual, ainda tenebroso, a um passo semanal de uma das eleições americanas (e mundiais) mais importantes de sempre – America will be great again!


jef, outubro 2020

«América Proibida» (American History X) de Tony Kaye. Com Edward Norton, Edward Furlong, Beverly D'Angelo, Jennifer Lien, Ethan Suplee, Fairuza Balk, Avery Brooks, Elliott Gould, Stacy Keach, William Russ, Guy Torry, Joe Cortese. Argumento: David McKenna. Fotografia: Tony Kaye. Música: Anne Dudley. EUA, 1998, Cores, 119 min.

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Sobre o filme «Close-Up» de Abbas Kiarostami, 1990







Um dos melhores filmes do mundo.

Melhor. Um filme que contém o mundo inteiro, todo o afecto, o perdão e o modo do cinema do universo. Um filme dificílimo de criar!

Um filme só edificado pelo génio e a imaginação prodigiosa de Abbas Kiarostami. A realidade está lá mas construída através da sua própria verosimilhança.

O realizador filma-se a si próprio entrevistando um preso acusado de fraude e tentativa de fraude. Ele faz mais. Pede ao juiz para filmar o julgamento. Pede que antecipem o julgamento por razões práticas das filmagens. (O juiz não se lembra do caso, do nome do acusado, não lhe dá importância.) Junta ainda todos os actores-reais-personagens e coloca-os a representar o que já viveram nos locais por que já passaram, reconstruindo a realidade da sua memória.

Por fim, pede aos falsos-reais-burlados e ao real-burlão-falso para se reunirem, conferindo-lhe o perdão. Beijam-se, ele chora, alguém lhe limpa as lágrimas da cara e diz que ele terá um futuro de grandes realizações. Mas as flores não devem sem amarelas. A lata cilíndrica de dum-dum rola rua abaixo. O taxista, enquanto espera o jornalista, recolhe do lixo rosas vermelhas. O jornalista corre à procura de um gravador. A motocicleta sai do plano programado. O microfone de lapela do motociclista-realizador começa a falhar.

E A humanidade arrependida é, finalmente, absolvida.


jef, outubro 2020

«Close-Up» de Abbas Kiarostami. Com Hossain Sabzian, Mohsen Makhmalbaf, Abolfazl Ahankhah, Mehrdad Ahankhah, Monoochehr Ahankhah, Mahrokh Ahankhah, Nayer Mohseni Zonoozi, Ahmad Reza Moayed Mohseni, Hossain Farazmand, Hooshang Shamaei, Mohammad Ali Barrati, Davood Goodarzi, Haj Ali Reza Ahmadi, Nayer Mohseni Zonoozi, Hassan Komaili, Davood Mohabbat, Abbas Kiarostami. Argumento: Abbas Kiarostami. Fotografia: Ali Reza Zarrindast. Irão, 1990, Cor, 93 min.

 

 

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Sobre o disco «This Dream of You» de Diana Krall, Verve / Universal, 2020

 

 












Este será o último disco de Diana Krall tocado pela sensibilidade, digamos “cinematográfica”, do produtor Tommy LiPuma, que morreu em Março de 2017. Quase desde o início da carreira deste jazz de raiz tradicional, suave e precioso, definido, rigoroso e easy listening, este homem esboçou a estrutura ambiental de uma das cantoras-pianistas que melhor reconheceu a vertente popular da qualidade musical (excepto, na minha modesta opinião, a sua delicodoce e lírica incursão no difícil mundo da bossa nova). Para Diana Krall (e Tommy LiPuma) a complicada simplicidade e perfeição dos arranjos de «All for You» (Impulse, 1996), acompanhados desses eternos e mágicos amigos John Clayton ou Christian McBride (baixo), Russell Malone (guitarra), prolongam-se até este álbum, angariando ainda a mestria de Marc Ribot (guitarra) ou o violino “fiddle” de Stuart Duncan.

Claro que aqui tenho versões dos clássicos: «Autumn In NewYork» (Vernon Duke), «How Deep Is The Ocean» (Irving Berlin), «I Wished On The Moon» (Dorothy Parker & Ralph Rainger) ou «Singing In The Rain» (Arthur Freed & Nacio Herb Brown). 

Claro que encontro ainda a inusitada canção vinda do manancial estético country/folk de Bob Dylan «this Dream Of You».

Mas acima de todas as canções, inclui a contenção melancólica que eu não esqueço na voz de Peggy Lee (1948), Nina Simone (1958) ou k.d. lang (1997): «Don’t Smoke In Bed» (Willard Robison). Diana Krall baixa o tom até ao contralto rouco, quase destoando da sua mais natural tessitura, para dar a gravidade triste de despedida e entrega a Alan Broadbent o piano para a acompanhar numa espécie de marcha fúnebre, ao mesmo tempo leve e lenta.


jef, fevereiro 2020

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Sobre o filme «Trono de Sangue» de de Akira Kurosawa, 1957


 





















E as árvores afinal moveram-se…

Só vemos o que pretendemos ver ou desejamos profundamente acreditar. No resto, seremos cegos. Lady Macbeth-Asaji (Isuzu Yamada) apenas cumpre a vocação e entrega a espada ao desejo secreto de Macbeth-Taketoki Washizu (Toshiro Mifune), explica-lhe como as premonições mágicas da floresta podem chegar até a realidade labiríntica do sangue. A maior fortaleza será tomada e, de seguida, a cabeça do rival Banquo-Hoshiari Miki (Minoru Chiski) é entregue. O mensageiro é morto. A floresta prepara-se para seguir o seu curso. A água não parece lavar o sangue das mãos de Asaji.

Akira Korusawa despe a história de todo o supérfluo e o palco está deserto. O tecido do quimono de Asaji sussurrará na ausência de luz preparando o espectador para o início do fim. No entanto, é na luminosidade brutal do nevoeiro que a floresta tece a sua teia de aracnídeo. Numa prenunciadora e longa cena, os cavalos dos guerreiros amigos Taketoki e Miki perdem-se no nevoeiro cego. E nos presságios dos espíritos. A grande fortaleza surge despida de vida como o coro inicial havia já cantado. Os mensageiros avisam do resultado das batalhas. As árvores avançam e as setas não precisarão de atravessar a muralha. O palco vai permanecer deserto.

Um filme absolutamente puro.


jef, outubro 2020

«Trono de Sangue» (Kumonosu-Jô) de de Akira Kurosawa. Com Toshiro Mifune, Isuzu Yamada, Minoru Chiski, Takamaru Sasaki, Takashi Shimura, Akira Kubo, Yoichi Tachikawa, Chieko Naniwa. Argumento: Shinobu Hashimoto, Ryuzo Kikushima, Hideo Oguni, Akira Kurosawa, segundo «Macbeth» de William Shakespeare. Director de Fotografia (35mm, 1,33): Asakazu Nakai. Direcção Artística: Yoshiro Muraki, Kohei Ezaki. Música: Masaru Sato. Montagem: Akira Kurosawa. Som: Fumio Yanoguchi. Produção: Shojiro Motoki, Akira Kurosawa – Toho. Japão, 1957, P/B, 110 min. Nimas (20-10-2020)****.

 

 

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Sobre o filme «O Barba Ruiva» de Akira Kurosawa, 1965

 


























«Queria realizar um filme que fosse de tal maneira magnífico e de tal maneira perfeito que os espectadores se sentiriam obrigados a vir vê-lo.»

                                                                                Akira Kurosawa


“A pobreza e a ignorância não são matérias da política. São assuntos da medicina.”, diz o médico Kyojo Niide (Toshiro Mifune), o Barba Ruiva, director de clínica pública num bairro pobre, ao médico aprendiz Noburu Yasumoto (Yuzo Kayama) que pretendia, antes, ser nomeado para a equipa médica da Corte.

Aqui está a beleza atroz de Akira Kurosawa no interior da perfeição estética dos planos (Azakasu Nakai e Takao Saito). Praticada à exaustão através do grande ecrã (70 mm), fechada, no entanto, sobre a expressão dos actores. No interior denso dos cenários definidos milimetricamente (Yoshiro Muraki) e da música de laivos beethovianos (Masaru Sato). A câmara rente aos corpos e, sobre eles, ou por trás, a movimentação de coros suplicantes, de gentes em desesperado, de padrões luxuriantes. A neve e a chuva como sedas sobrepostas, sistemas cruzados em filigrana. O rigor cinematográfico acalentando cada uma das histórias que se sucedem, trazendo o apelo moral a essa brutal carga simbólica da tragédia grega ou da ópera romântica. A proximidade expressionista, violentamente silenciosa, de «Ivan o Terrível» (Sergei Eisenstein, 1944-1958) ou o fio de luz sobre o corpo de «Lição de Anatomia» de Rembrandt (1632).

O confronto com as histórias de sofrimento e de morte transformará o aprendiz de médico, que desejava provento e fama, em seguidor do carinhoso e austero Barba Ruiva. E nós, espectadores, permaneceremos fiéis ao deslumbramento provocado pela luz do cinema de Akira Kurosawa.


 jef, outubro 2020

«Barba Ruiva» (Akahige) de Akira Kurosawa. Com Toshiro Mifune, Yuzo Kayama, Chishu Ryu, Kinuyo Tanaka, Yoko Naito, Ken Mitsuta, Yoshio Tsuchiya. Tatsuyoshi Ehara, Reiko Dan, Kyoko Kagawa, Kamatari Fujiwara, Akemi Negishi, Stutomu Yamazaki, Miyuki Kuwano, Eijiro Tono, Takashi Shimura, Terumi Niki, Yoshitaka Zushi, Haruko Sugimura. Argumento: Akira Kurosawa, Masato Ide, Hideo Oguni, Ryuzo Kikushima, a partir do romance Akahige Shinryodan, de Shugoro Yamamoto. Fotografia (70 mm): Azakasu Nakai e Takao Saito. Cenários: Yoshiro Muraki. Música: Masaru Sato. Montagem: Akira Kurosawa. Som: Shin Watari e Hisashi Shimonaga. Produção: Kurosawa Films - Toho. Japão, 1965, P/B, 185 min.

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Sobre o livro «Um Homem no Jardim Zoológico»» de David Garnett. Colecção Miniatura n.º 91, Livros do Brasil, 1958 (1924). Ilustração de capa de Bernardo Marques.


 









Não queiramos que esta novela nos faça lembrar os belíssimos livros «Porquê Olhar os Animais?» de John Berger (Antígona, 2020) ou «Alguns Humanos» de Gustavo Pacheco (Tinta da China, 2018). Nem sequer essa antológica aula prática de antropologia satírica de Alberto Pimenta (1977).

David Garnett (1892-1981) fazia parte desse grupo de artistas inclassificáveis apelidado “Bloomsbury”, de onde se destacava Virginia Woolf, e de que se dizia: «They lived in squares, painted in circles and loved in triangles».

Na realidade, este livro é uma espécie de comédia, uma história de amor com happy end mas com um unhappy beginning. John Cromartie e Josephine Lackett estão noivos e são particularmente orgulhosos e determinados nas suas proposições matrimoniais. John não admite ceder perante a família de Josephine, e esta não compreende a apressada fúria do seu noivo. Andam a passear entre as jaulas da secção dos canídeos do Jardim Zoológico de Londres e desentendem-se irremediavelmente. Logo nas primeiras páginas. Às segundas, por teimosia e despudor, numa espécie de birra infantil, ele escreve à sociedade directora da instituição zoológica que logo aceita a viva oferta para a exibição de um espécimen de Homo sapiens de tão destinto recorte. Retiram o gibão, e John instala-se definitivamente entre o orangotango e o chimpanzé. O caso torna-se um sucesso, as entradas no jardim multiplicam-se, e dar-se-ia por findo se John e Josephine não continuassem tão apaixonados…

Pode não ser obra-prima, pode até conter traços de certa sobranceria intelectual, mas pensar em Londres, assim descrita, assim publicada, em 1924, dá que pensar. Uma bela tarde de leitura em torno da liberdade literária!


jef, outubro 2020

 

Sobre o filme «Da Eternidade» de Roy Andersson, 2019

 
























Roy Andersson constrói uma espécie de castelo sem portas, usa um cenário monocromático dentro de uma luz espessa e empurra as personagens, que vêm sozinhas, para dentro do tempo finito dos seus filmes. Nunca mais de hora e meia de uma colagem de cenas onde toda a vida é convocada na sua finitude. Assim foi em «Um Pombo Pousou num Ramo a Reflectir na Existência» (2014), «Canções do Segundo Andar» (2000) ou «Tu, Que Vives» (2007). Também assim é nestes episódicos 76 minutos.

Este mundo à parte é muito da nossa solidão definitiva, do nosso desespero calado, da nossa alegria contida. Não há mal que não acabe, nem bem que sempre dure. E essa ironia enche-nos a cara de um sorriso de que temos alguma vergonha a nos entregar. Rirmo-nos da desgraça não fica bem mas Roy Andersson não perde pitada da vida e coloca-a em cima do palco, em cenários construídos e pintados, caras pintadas de branco, braços que pendem, lágrimas que se soltam no vazio, fatos velhos, olhares sisudos, padres angustiados a quem a fé fugiu, homens esquecidos, mulheres que não aguardam ninguém na estação de comboios ou que gostam particularmente de champanhe. É um eterno palco, a cheirar a pó, a cheirar a guerra. Hitler perdido, à beira do fim. A cidade de Colónia arrasada é contemplada por um casal triste e solitário que a sobrevoa. O homem perdido num imenso descampado não vê vivalma e o motor do seu automóvel não trabalha. Cristo, penitente, ainda é açoitado. Homem é ele, como todos os penitentes que tentam salvar a honrar ou tentam não invejar o colega estúpido mas que acabou o doutoramento…

Roy Andersson é, acima de tudo, um artista plástico que faz teatro e, depois, o filma. Um esteta, um encenador, um filósofo visual que cria esse castelo com janelas que é só dele, que é só nosso. Uma espécie de Edward Hopper sem Sol. Uma Pina Bausch sem movimentos largos. Um Jacques Tati sem nostálgica esperança. Um David Lynch sem pressa.

Afinal, a eternidade só começa mesmo quando o tempo, finalmente, nos esgota.

 

jef, outubro 2020

«Da Eternidadde» (About Endlessness) de Roy Andersson. Com Bengt Bergius, Anja Broms, Marie Burman, Amanda Davies, Tatiana Delaunay, Karin Engman, Jan-Eje Ferling, Thore Flyge, Lotta Forsberg, Anton Forsdik, Fanny Forsdik, Anders Hellström. Argumento: Roy Andersson. Fotografia: Gergely Pálos. Caracterização: Emelie Henriksson. Caracterização: Emelie Henriksson. Departamento artístico: Morten Willyson Bjørnådal, Grzegorz Bodziony, Frida Ekström, Elmstrand Frank, Aron Gårdsø, Anders Hellström, Amalia Mititelu, Nicklas Nilsson, Sandra Parment, Isabel Sjöstrand. Música orquestração: Henrik Skram. Suécia / Alemanha / França, 2019, Cores, 76 min.

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Sobre o filme «Pouca Terra… Pouco Terra…» (Dodeskaden) de Akira Kurosawa, 1970

























O primeiro filme a cores de Kurosawa. O grande desaire comercial. O último antes da sua gorada tentativa de suicídio. A grande depressão. Tudo aqui está reflectido na exuberância demente das cores (Takao Saito, Yasumichi Fukusawa), no trabalho estético dos cenários, tecidos, objectos, nas flores de papel ou nos desenhos que cobrem as paredes e as janelas (Fumio Yanoguchi, Hiromitsu Mori). Na música (Toru Takemitsu) e no som (Fumio Yanoguchi). Tudo aqui tão minucioso, quase obsessivo.

Um mundo enclausurado de loucos, bêbados e autistas, que só vê uma pausa na figura distinta do velho relojoeiro Tamba (Atsubi Watanabe) que apazigua enquanto ordena. Ou na crítica e explicação da acção narrativa feitas pelas mulheres que, no centro do cenário, lavam, acocoradas, e vão conversando, bisbilhotando e desculpando. Ou no pai extremoso, fazedor de escovas, dos seus queridos cinco bastardos. Ou na figura central de Rokuchan (Zuchi Yoshiyaka), o jovem obcecado por comboios que os organiza geograficamente num espaço por ele imaginado.

Um espaço exterior e interior, sem limites. Uma câmara, rente às personagens, que as distingue em planos meticulosamente intrincados na proximidade e na lonjura. Uma justiça triste eternamente pontuada pelo humor e pelo silêncio do olhar. Uma morte anunciada, um amor indizível, uma desculpa silenciada, uma casa sonhada, uma loucura amansada. Uma eterna ternura.

Um filme que faz lembrar Yasujiro Ozu e Kenji Mizoguchi no mesmo cadinho, envoltos no colorido total.

Uma obra-prima.


jef, outubro 2020

«Pouca Terra… Pouca Terra…» (Dodeskaden) de Akira Kurosawa. Com Zuchi Yoshitaka, Kin Sugai, Junzaburo Ban, Kiyoko Tange, Michio Hino, Tatsuhei Shimokawa, Keiji Furuyama, Hisasbi Igawa, Hideko Okiyama, Kunie Tanaka, Jitsuko Yoshimura, Atsubi Watanabe, Koji Mitsui, Shinsuke Miname, Yoko Kusumoki. Argumento: Akira Kurosawa, Hideo Orguni, Shibobu Hashimoto, baseado em oito dos quinze contos de «Bairro sem Sol», de Shugoro Yamamoto. Fotografia (35mm, 1,66, Eastmancolor): Takao Saito, Yasumichi Fukusawa. Direcção Artística: Yoshiro Muraki, Shinobu Muraki. Cenários: Fumio Yanoguchi, Hiromitsu Mori. Música: Toru Takemitsu. Montagem: Reiko Keneko. Som: Fumio Yanoguchi. Produção: Yonki-No-Kai e Toho. Japão, 1970, Cores, 136 min.

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Sobre o filme «A Fortaleza Escondida» de Akira Kurosawa, 1958


 















Finalmente em cinemascope, o ecrã é todo preenchido pelas aventuras maravilhosas criadas por Kurosawa sobre a época dos samurais e da guerra intestina de clãs pérfidos, princesas maravilhosas e camponeses desvalidos (filmes jedai-geki). Simplesmente deslumbrante! Qualquer coisa entre o romance de cavalaria e o ‘manuscrito encontrado em Saragoça’, cruzamento de uma ‘Odisseia’ em terra e o ‘O Bom, o Mau e o Vilão’ por terras orientais. Mas aqui é visual e crítico, tudo movimentado numa montanha agreste de pedras soltas onde os camponeses miseráveis e gananciosos, quais sísifos, divertidos como palhaços, Tahei (Minoru Chiaki) e Mataschishi (Kamatari Fujiwara), encontram-se com o famoso general galã Rokurota Makabe (Toshiro Mifune) e a bela princesa perseguida Yukihime (Misa Uehara).

Entretanto já assistimos às sumptuosas cenas de multidão com os escravos a sempre empurrados escadaria abaixo. Em, breve veremos a mais bela cena de luta com lanças entre generais amigos-inimigos, precedida por uma outra inesquecível, em que Rokurota Makabe persegue a cavalo soldados inimigos. Também, depois, a magnífica dança popular em honra do fogo.

Filmes destes são como enormes óperas trágicas e cómicas, onde cada movimento, cada som e cada silêncio são pensados pelo coreógrafo como um bailado que ocupa todo o campo de visão do espectador, toda a profundidade de campo de um imenso universo estético.

Imperdível!!

 

jef, fevereiro 2020

terça-feira, 13 de outubro de 2020

Sobre o livro «Ratos e Homens» (Of Mice and Men) de John Steinbeck (1937). Tradução Érico Veríssimo. Livros do Brasil, 2017.

 

 

A grande depressão e a América perdida na Califórnia, entre as severas montanhas Gabilan e o rio Salinas, entre os campos semeados de batatas e esses “ratinhos” famintos, sem emprego e sem tecto, a deambular pelas propriedades vendendo mão-de-obra a preços de nada. Uma novela que é uma peça de teatro em seis actos, onde o diálogo, logo de início, nos anuncia a tragédia incontornável. Não à volta a dar. George Milton, ladino e expedicto, sofre de uma profunda amizade proteccionista por Lennie Small, gigante terno e apartado da realidade que não tem controlo na força com que afaga os seres de que mais gosta. Sonham em ter uma quinta apenas sua onde criarão coelhos e outros animais, ganharão sustento e, finalmente, poderão descansar. Fogem de Weed e do passado, refugiam-se na margem do rio para matar a sede. A nova propriedade aproxima-se oferecendo mais sacas de batatas para acartar. O calor aperta, a camarata possui insecticida contra os piolhos. Curley, o filho desordeiro do patrão, procura o conflito. A mulher deste insinua-se entre os trabalhadores. O velho cão de Candy deve ser abatido com um tiro para não sofrer mais.

Uma América que, hoje em dia, ainda sofre e faz sofrer. Uma América grande que anda a precisar de reler a terna perspicácia, o humanismo frontal e dramático, de John Steinbeck.


jef, outubro 2020

 

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Sobre o livro «Ilha de Metarica, memórias da guerra colonial» de João Carlos Roque, INDEX ebooks, 2014


 









Este livro é tão importante como os maiores compêndios académicos e militares sobre a guerra colonial portuguesa. Porque é um livro simples sobre um tema complicadíssimo, um mundo cada vez mais difícil e complexo de explicar aos dias que, distantes e céleres, vão hoje correndo. A guerra colonial formou (e talvez tenha deformado) uma espécie de lusa nação constituída por militares que foram obrigados a cumprir ordens e que também tentaram organizar uma sociedade um pouco mais justa dentro da injustiça de um conflito insolúvel.

João Carlos Roque conta-nos a sua ventura, as suas aventuras, de modo directo, sem subterfúgios, adjectivos ou metáforas, através de curtos episódios como pequenas crónicas ou contos imediatos e realistas. Quatro anos lhe foram apartados, saído à força de Económicas, obrigando-o a seguir de Mafra para a Guiné, e desta de volta a Mafra, e depois até à Beira moçambicana. Daí, o capitão miliciano em substituição de posto singular, foi levado até à longínqua Ilha de Metarica nas margens do rio Lugenda, província do Niassa, Noroeste de Moçambique. Mais tarde, levado também até às margens do 25 de Abril de 1974, regressando apenas a Portugal em Dezembro desse ano.

E a guerra, e a organização militar em combate, e o convívio entre pares pelo comando e pela sobrevivência, transformaram-no como homem. Forçando-o, ou incentivando-o, a afirmar-se como cidadão pleno, substanciando-se posteriormente no seu corpo, na sua ética, na sua acção.

Aqui, ficamos a conhecer, de modo tão pragmático quanto comovente, o modo como uma guerra infame pode deixar, apesar de tudo, esse lastro eterno e indelével, esse peso trágico e mesmo assim nostálgico, naqueles que a viveram, que a sentiram.


jef, outubro 2020

Sobre o livro «Porquê Olhar os Animais?» de John Berger. Antígona, 2020. Tradução de Jorge Leandro Rosa


 









São nove textos escritos entre 1971 e 2009. John Berger (1926-2017), uma espécie de esteta marxista ou estilista da observação, escreve-os com toda a liberdade que a natureza animal lhe dá, pontuando a análise na convicção das suas dúvidas: «Ele estava inteiramente vivo porque estava inteiramente convicto», refere-se ele ao seu amigo, Ernst Fischer, filósofo austríaco, no dia em que o acompanhou na sua morte.

Mas talvez o texto «Campo» seja deste livro o mais sintomático. Nele o autor estabelece o diagrama em cinco pontos, enquadrando o espectador frente a uma área “campestre” e no “tempo de espera” pela abertura da passagem de nível de um automobilista que se escapa da cidade. Os limites e os factos ocorridos neste hiato espacial-temporal “idílico” são, eles próprios, um caso ou apenas fruto da atenção, do desejo e da observação do condutor que por eles aguarda?

Em «Teatro dos Macacos», o que esperarão ver gorilas, orangotangos e chimpanzés, num jardim zoológico construído em anfiteatro, ausentes da sua própria natureza e apartados dos espectadores humanos por vidros silenciosos? Escreve ele em jeito de conclusão: «Ponho-me questões sobre o teatro – sobre o seu mistério e a sua essência. Tem a ver com o tempo. O teatro, de maneira mais tangível do que qualquer outra arte, apresenta-nos o passado. Os quadros podem mostrar-nos o aspecto que o passado tinha, mas são como rastos ou pegadas, já não se movem. Em cada récita teatral, o que um dia aconteceu é reactualizado.»

John Berger fala-nos do ritual alimentar do burguês em contraponto com a refeição do camponês. fala também e ratos em ratoeiras, de Homero e Aristóteles e dá o alerta para que “evolução” significa, antes de mais, «desdobramento» e esclarece que os animais oferecem ao humano uma companhia singular, diferente, porque é uma companhia oferecida à solidão do homem enquanto espécie.

Ler John Berger é um acto muito próximo da leitura de “poesia”. Também a poesia é tida apenas por opção libertária, extensão e compreensão do respectivo leitor.


jef, outubro 2020

domingo, 11 de outubro de 2020

Sobre o filme «Verão de 85» de François Ozon, 2020

 






Após o naufrágio do barco de Alexis (Félix Lefebvre), salvo por David (Benjamin Voisin), ao largo de uma daquelas estranhas praias da Normandia, inicia-se um romance de Verão entre os dois rapazes. As cores são saturadas, entre o cor-de-laranja e o azul, a borrasca firma-se numa sombria e pintada trovoada. A distância entre as casas dos dois não existe, pois David, órfão endinheirado e mais atrevido, possui uma motoreta com a qual ameaça as curvas das estradas do litoral. Segundo ele, a vida é breve e não pode ser adiada. Alexis encanta-se ao primeiro olhar, e tem uma fixação adolescente e académica pela imagem fúnebre da morte. David leva Alexis a sua casa para mudar de roupa, onde o espectador conhece a extravagante e amorosa mãe de David, num papel fenomenal de Valeria Bruni Tedeschi. A mãe do náufrago é uma dona de casa extremosa (Isabelle Nanty) casada com um complacente estivador (Laurent Fernandez).

Até ali, entre o confronto provocador de uma paixão descoberta (e encoberta) numa pacata povoação marítima em época alta, tudo corria bem para o espectador. A partir do momento em que a estudante inglesa Kate (Philippine Velge) surge na praia e aceita viajar no barco de David é que o realizador François Ozon perde o curso da narrativa. As imagens, cenas e acontecimentos parecem tropeçar sem dar tempo aos personagens de entrarem no ecrã para transformar aquela quase comédia nessa quase tragédia, na qual Alexis, ajudado por Kate, surge na morgue travestido e ciclista.

Já vimos bem melhor de François Ozon em argumentos mais trabalhados, mas vale muito a pena olharmos de novo a capacidade dramática de duas grandes actrizes: Valeria Bruni Tedeschi e Isabelle Nanty. 

(ou andarei deslumbrado e cego pelas obras-primas de Akira Kurosawa?...)


jef, outubro 2020

«Verão de 85» (Été 85) de François Ozon. Com Félix Lefebvre, Benjamin Voisin, Philippine Velge, Melvil Poupaud, Valeria Bruni Tedeschi, Isabelle Nanty, Laurent Fernandez. Argumento: François Ozon, a partir do romance de Aidan Chambers «Dance on My Grave». Fotografia: Hichame Alaouie. Música: JB Dunckel. Guarda-roupa: Pascaline Chavanne. Produtores: Eric & Nicolas Altmayer. França / Bélgica, 2020, Cores, 100 min

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Sobre o livro «As Trevas e Outros Contos» de Leonid Andréev. Tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra. Antígona, 2018.











Leonid Andréev não viveu muito (1871-1919) mas não parou de escrever, de inconformar, de debater, contestar, intuir. Estes cinco contos-novelas são exemplo dessa errância pelos temas mais profundos, pelos lemas mais íntimos da humanidade. A revolta política, a luta armada e a revolução, o desajuste social e urbano, a deriva psicológica e religiosa, a imaturidade e a procura sexuais. Tudo está aqui. Cinco textos que parecem muito simples na sua irónica asserção e franco desenvolvimento mas que logo derivam para uma inconclusão, invariavelmente trágica. Uma escrita perfeita para confirmar a dúvida eterna.

Assim também foi a vida de ‘Bartleby’ de Melville, o quarto de ‘Gregor Samsa’ de Kafka, a morte de ‘Ivan Iliitch’ de Tolstói, a ‘avenida Névski’ de Gógol, a ‘velha’ de Daniil Harms…

Em Leonid Andréev não há mesmo possibilidade de fuga. Antes se apresenta como uma revelação, ou até consumação através da arma e da bala, através da morte e do acto sexual, através da remissão e entrega ao mundo paralelo da demência. Toda a sociedade parece ironizar quando se aproxima dos protagonistas, como se quisesse ver-se livres deles.

Aleksei, revolucionário anarquista, armado e perseguido, mas virgem, esconde-se no quarto de Liuba, dócil prostituta, mas delactora, a quem ele reafirma: “Não quero ser bom.”

Ou Judas de Queriote, ruivo e medonho, ser de duas caras, que se imiscui entre os apóstolos, insinuando-se perante o insinuável e omnisciente filho de Deus, vendendo Cristo a Anás por trinta dinheiros e dando-lhe o beijo da guerra. Afinal, enforca-se pois, traidor traído, era de Judas Iscariotes que o Nazareno necessitava para concluir com êxito a sua missão terrena.

Ou esse conto espantoso, em que o Governador luta contra a inflamada memória de um lenço branco, por si agitado no ar, que fez os soldados dispararem sobre a manifestação pacífica de famílias de operários famintos, matando perto de cinquenta inocentes.

Ou na personificação do tédio absoluto que deixa Pável paralisado no interior do seu quarto e este dentro de um universal Nevoeiro, amarelo e urbano. Ou na assunção de que os Fantasmas que se movem em torno de Egor Pomerântsev naquele hospício psiquiátrico são mesmo as sombras reais de um mundo real.

Aguardemos com ansiedade novas traduções e mais edições dos contos maravilhosos de Leonid Andréev.


jef, outubro 2020


Sobre o filme «Viver» de Akira Kurosawa, 1952.






























A vida é breve, a burocracia imensa, mas o chapéu é novo.

Se existe um filme, profundamente terno, sobre a ideia de vida (e a de morte), uma espécie de lição sobre a consciência e o propósito de andarmos por aqui alguns minutos, ele é «Viver – Ikiru». Contado de modo inusitado para que o espectador não perca, em vão, nem um dos 143 minutos da sua duração.

Tudo gira em torno do olhar do actor Takashi Shimura que nos observa, olhos nos olhos, quase nos inquirindo sobre a solução do seu problema. Ele encarna o louvado funcionário público no activo há 30 anos, Kanji Watanabe.

Numa espécie de prolepse-flashfoward, uma voz-off vagamente irónica informa-nos através de radiografia que o estômago do personagem aloja um cancro que não lhe dará muito tempo de vida. Mas ele ainda não sabe. A busca premente de um sentido para tudo ocupa a primeira parte do filme.

Quase sem aviso, a ironia da mesma voz anuncia que iremos ao seu velório. Em analepse-flashback, todos os familiares, colegas e superiores vão-se embebedando de saké enquanto comem e divagam sobre a vida do cumpridor funcionário Watanabe. A fotografia fúnebre continua a olhar-nos enquanto vamos revendo os diversos episódios reconstrutivos da memória de cada dos convivas mais ou menos enlutados. Todos acabam a chorar jurando honrar tamanha dedicação. Mas estão deveras alcoolizados.

Este filme enciclopédico deve ser visto por todos os que têm dúvidas sobre o sentido da vida, a profundidade final da alma, a burocracia nos serviços públicos, o direito à diversão, o peso da família, mas também sobre como filmar em multidão e em solidão, como colocar a câmara no ponto preciso de fuga que une o olhar e a emoção, situando ao mesmo nível actores e espectadores, também como gerir a melhor banda sonora, como definir uma nova e estranha estratégia narrativa.

Um filme que termina com uma das mais belas e comoventes cenas alguma vez filmada. (A mais bela das canções!) Só comparável à da maçã a ser descascada pelo velho pai Suchiki Somiya em «Primavera Tardia» (Yasugiro Ozu, 1949), ou a da neve envidraçada que tomba da mão em «O Mundo a seus Pés» (Orson Welles, 1941).

Um filme que jamais se esquecerá.

 

jef, outubro 2020

«Viver» (Ikiru) de Akira Kurosawa. Com Takashi Shimura, Nobuo Kaneko, Kioko Seki, Makoto Kobori, Kumeko Urabe, Yoshie Minami, Miki Odagiri, Kamatara Fujiwara, Minosuke Yamada, Haruo Tanaka, Bokuzen Hidari, Minoru Chiaki, Shinichi Himori, Nobuo Nakamura, Masao Shimizu, Yonosuke Ito, Yatsuko Tanami, Seiji Miyaguchi, Ichiro Chiba. Argumento: Shinobu Hashimoto, Hideo Oguni e Akira Kurosawa. Fotografia (35mm, 1,33): Asakazu Makai

Direcção Artística: So Matsuyama. Música: Fumio Hayasaka. Montagem: Akira Kurosawa. Som: Fumio Yanoguchi. Produção: Toho (Tóquio). Japão, 1952, P/B, 143 min.