Este é um daqueles filmes que vieram alterar o padrão
comercial no cinema português. Tal como «A Herdade» (Tiago Guedes, 2019) ou
«Variações» (João Maia, 2019). É um filme que deve encher salas.
É um filme em modo político e social, dir-se-ia de denúncia
de uma estranha lei britânica, através da qual crianças de famílias com poucos
recursos são-lhes retiradas para adopção em modo «rápido», sem apelo nem agravo
judicial. Lembramo-nos da extraordinária cinematografia de Ken Loach, Stephen
Frears, Mike Leigh ou Steve McQueen.
Um filme “inglês”, sem pausas, prolegómenos ou planos abertos
sobre paisagem. Breve como uma curta-metragem, onde as três crianças de Bela
(Lúcia Moniz) e de Jota (Ruben Garcia) são-lhes apartadas e o luto pela
ausência e, depois, a possibilidade de retorno é olhada através de planos
fechados sobre a expressão angustiada e fundamental de dois grandes actores.
Um filme “de artista”, onde as cores do guarda-roupa, a luz
densa e difusa sobre os papéis de paredes, a máquina fotográfica de cartão da
pequena Lou (Maisie Sly), a composição dos decores devem ser tidos igualmente
na conta emocional de uma tragédia anunciada.
Um filme que, apesar de tudo, deve à cinematografia e à
televisão inglesas esse modo ancestral de fazer teatro, que sempre soube
devolver ao espectador um certo tempo entre cenas que lhe permita deixar-se ir
na corrente emocional (talvez pathos cinéfilo) e, depois, melhor reconheça o
dom do cinema maior para enternecer e mobilizar consciências.
jef, outubro 2020
«Listen» de Ana Rocha de Sousa. Com Lúcia Moniz, Sophia Myles,
Ruben Garcia, Maisie Sly, António Capelo, Kiran Sonia Sawar, James Felner. Argumento:
Ana rocha de Sousa, Paula Vaccaro, Aaron Brookner. Produção: Paula Vaccaro, Rodrigo
Areias, Aaron Brookner. Fotografia: Hatti Beanland. Portugal / Grã-Bretanha, 2020,Cores,
73 min.