Roy Andersson constrói uma espécie de castelo sem portas, usa um cenário
monocromático dentro de uma luz espessa e empurra as personagens, que vêm
sozinhas, para dentro do tempo finito dos seus filmes. Nunca mais de hora e meia
de uma colagem de cenas onde toda a vida é convocada na sua finitude. Assim foi
em «Um Pombo Pousou num Ramo a Reflectir na Existência» (2014), «Canções do Segundo
Andar» (2000) ou «Tu, Que Vives» (2007). Também assim é nestes episódicos 76
minutos.
Este mundo à parte é muito da nossa solidão definitiva, do
nosso desespero calado, da nossa alegria contida. Não há mal que não acabe, nem
bem que sempre dure. E essa ironia enche-nos a cara de um sorriso de que temos
alguma vergonha a nos entregar. Rirmo-nos da desgraça não fica bem mas Roy Andersson
não perde pitada da vida e coloca-a em cima do palco, em cenários construídos e
pintados, caras pintadas de branco, braços que pendem, lágrimas que se soltam
no vazio, fatos velhos, olhares sisudos, padres angustiados a quem a fé fugiu,
homens esquecidos, mulheres que não aguardam ninguém na estação de comboios ou
que gostam particularmente de champanhe. É um eterno palco, a cheirar a pó, a
cheirar a guerra. Hitler perdido, à beira do fim. A cidade de Colónia arrasada é
contemplada por um casal triste e solitário que a sobrevoa. O homem perdido num
imenso descampado não vê vivalma e o motor do seu automóvel não trabalha.
Cristo, penitente, ainda é açoitado. Homem é ele, como todos os penitentes que
tentam salvar a honrar ou tentam não invejar o colega estúpido mas que acabou o
doutoramento…
Roy Andersson é, acima de tudo, um artista plástico que faz
teatro e, depois, o filma. Um esteta, um encenador, um filósofo visual que cria
esse castelo com janelas que é só dele, que é só nosso. Uma espécie de Edward Hopper sem Sol.
Uma Pina Bausch sem movimentos largos. Um Jacques Tati sem nostálgica esperança.
Um David Lynch sem pressa.
Afinal, a eternidade só começa mesmo quando o tempo,
finalmente, nos esgota.
jef, outubro 2020
«Da Eternidadde» (About Endlessness) de Roy Andersson. Com Bengt
Bergius, Anja Broms, Marie Burman, Amanda Davies, Tatiana Delaunay, Karin
Engman, Jan-Eje Ferling, Thore Flyge, Lotta Forsberg, Anton Forsdik, Fanny
Forsdik, Anders Hellström. Argumento: Roy Andersson. Fotografia: Gergely Pálos.
Caracterização: Emelie Henriksson. Caracterização: Emelie Henriksson.
Departamento artístico: Morten Willyson Bjørnådal, Grzegorz Bodziony, Frida
Ekström, Elmstrand Frank, Aron Gårdsø, Anders Hellström, Amalia Mititelu,
Nicklas Nilsson, Sandra Parment, Isabel Sjöstrand. Música orquestração: Henrik Skram. Suécia / Alemanha /
França, 2019, Cores, 76 min.
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