segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Sobre o filme «Da Eternidade» de Roy Andersson, 2019

 
























Roy Andersson constrói uma espécie de castelo sem portas, usa um cenário monocromático dentro de uma luz espessa e empurra as personagens, que vêm sozinhas, para dentro do tempo finito dos seus filmes. Nunca mais de hora e meia de uma colagem de cenas onde toda a vida é convocada na sua finitude. Assim foi em «Um Pombo Pousou num Ramo a Reflectir na Existência» (2014), «Canções do Segundo Andar» (2000) ou «Tu, Que Vives» (2007). Também assim é nestes episódicos 76 minutos.

Este mundo à parte é muito da nossa solidão definitiva, do nosso desespero calado, da nossa alegria contida. Não há mal que não acabe, nem bem que sempre dure. E essa ironia enche-nos a cara de um sorriso de que temos alguma vergonha a nos entregar. Rirmo-nos da desgraça não fica bem mas Roy Andersson não perde pitada da vida e coloca-a em cima do palco, em cenários construídos e pintados, caras pintadas de branco, braços que pendem, lágrimas que se soltam no vazio, fatos velhos, olhares sisudos, padres angustiados a quem a fé fugiu, homens esquecidos, mulheres que não aguardam ninguém na estação de comboios ou que gostam particularmente de champanhe. É um eterno palco, a cheirar a pó, a cheirar a guerra. Hitler perdido, à beira do fim. A cidade de Colónia arrasada é contemplada por um casal triste e solitário que a sobrevoa. O homem perdido num imenso descampado não vê vivalma e o motor do seu automóvel não trabalha. Cristo, penitente, ainda é açoitado. Homem é ele, como todos os penitentes que tentam salvar a honrar ou tentam não invejar o colega estúpido mas que acabou o doutoramento…

Roy Andersson é, acima de tudo, um artista plástico que faz teatro e, depois, o filma. Um esteta, um encenador, um filósofo visual que cria esse castelo com janelas que é só dele, que é só nosso. Uma espécie de Edward Hopper sem Sol. Uma Pina Bausch sem movimentos largos. Um Jacques Tati sem nostálgica esperança. Um David Lynch sem pressa.

Afinal, a eternidade só começa mesmo quando o tempo, finalmente, nos esgota.

 

jef, outubro 2020

«Da Eternidadde» (About Endlessness) de Roy Andersson. Com Bengt Bergius, Anja Broms, Marie Burman, Amanda Davies, Tatiana Delaunay, Karin Engman, Jan-Eje Ferling, Thore Flyge, Lotta Forsberg, Anton Forsdik, Fanny Forsdik, Anders Hellström. Argumento: Roy Andersson. Fotografia: Gergely Pálos. Caracterização: Emelie Henriksson. Caracterização: Emelie Henriksson. Departamento artístico: Morten Willyson Bjørnådal, Grzegorz Bodziony, Frida Ekström, Elmstrand Frank, Aron Gårdsø, Anders Hellström, Amalia Mititelu, Nicklas Nilsson, Sandra Parment, Isabel Sjöstrand. Música orquestração: Henrik Skram. Suécia / Alemanha / França, 2019, Cores, 76 min.

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