quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Sobre o filme «O Barba Ruiva» de Akira Kurosawa, 1965

 


























«Queria realizar um filme que fosse de tal maneira magnífico e de tal maneira perfeito que os espectadores se sentiriam obrigados a vir vê-lo.»

                                                                                Akira Kurosawa


“A pobreza e a ignorância não são matérias da política. São assuntos da medicina.”, diz o médico Kyojo Niide (Toshiro Mifune), o Barba Ruiva, director de clínica pública num bairro pobre, ao médico aprendiz Noburu Yasumoto (Yuzo Kayama) que pretendia, antes, ser nomeado para a equipa médica da Corte.

Aqui está a beleza atroz de Akira Kurosawa no interior da perfeição estética dos planos (Azakasu Nakai e Takao Saito). Praticada à exaustão através do grande ecrã (70 mm), fechada, no entanto, sobre a expressão dos actores. No interior denso dos cenários definidos milimetricamente (Yoshiro Muraki) e da música de laivos beethovianos (Masaru Sato). A câmara rente aos corpos e, sobre eles, ou por trás, a movimentação de coros suplicantes, de gentes em desesperado, de padrões luxuriantes. A neve e a chuva como sedas sobrepostas, sistemas cruzados em filigrana. O rigor cinematográfico acalentando cada uma das histórias que se sucedem, trazendo o apelo moral a essa brutal carga simbólica da tragédia grega ou da ópera romântica. A proximidade expressionista, violentamente silenciosa, de «Ivan o Terrível» (Sergei Eisenstein, 1944-1958) ou o fio de luz sobre o corpo de «Lição de Anatomia» de Rembrandt (1632).

O confronto com as histórias de sofrimento e de morte transformará o aprendiz de médico, que desejava provento e fama, em seguidor do carinhoso e austero Barba Ruiva. E nós, espectadores, permaneceremos fiéis ao deslumbramento provocado pela luz do cinema de Akira Kurosawa.


 jef, outubro 2020

«Barba Ruiva» (Akahige) de Akira Kurosawa. Com Toshiro Mifune, Yuzo Kayama, Chishu Ryu, Kinuyo Tanaka, Yoko Naito, Ken Mitsuta, Yoshio Tsuchiya. Tatsuyoshi Ehara, Reiko Dan, Kyoko Kagawa, Kamatari Fujiwara, Akemi Negishi, Stutomu Yamazaki, Miyuki Kuwano, Eijiro Tono, Takashi Shimura, Terumi Niki, Yoshitaka Zushi, Haruko Sugimura. Argumento: Akira Kurosawa, Masato Ide, Hideo Oguni, Ryuzo Kikushima, a partir do romance Akahige Shinryodan, de Shugoro Yamamoto. Fotografia (70 mm): Azakasu Nakai e Takao Saito. Cenários: Yoshiro Muraki. Música: Masaru Sato. Montagem: Akira Kurosawa. Som: Shin Watari e Hisashi Shimonaga. Produção: Kurosawa Films - Toho. Japão, 1965, P/B, 185 min.

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