segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Sobre o livro «Porquê Olhar os Animais?» de John Berger. Antígona, 2020. Tradução de Jorge Leandro Rosa


 









São nove textos escritos entre 1971 e 2009. John Berger (1926-2017), uma espécie de esteta marxista ou estilista da observação, escreve-os com toda a liberdade que a natureza animal lhe dá, pontuando a análise na convicção das suas dúvidas: «Ele estava inteiramente vivo porque estava inteiramente convicto», refere-se ele ao seu amigo, Ernst Fischer, filósofo austríaco, no dia em que o acompanhou na sua morte.

Mas talvez o texto «Campo» seja deste livro o mais sintomático. Nele o autor estabelece o diagrama em cinco pontos, enquadrando o espectador frente a uma área “campestre” e no “tempo de espera” pela abertura da passagem de nível de um automobilista que se escapa da cidade. Os limites e os factos ocorridos neste hiato espacial-temporal “idílico” são, eles próprios, um caso ou apenas fruto da atenção, do desejo e da observação do condutor que por eles aguarda?

Em «Teatro dos Macacos», o que esperarão ver gorilas, orangotangos e chimpanzés, num jardim zoológico construído em anfiteatro, ausentes da sua própria natureza e apartados dos espectadores humanos por vidros silenciosos? Escreve ele em jeito de conclusão: «Ponho-me questões sobre o teatro – sobre o seu mistério e a sua essência. Tem a ver com o tempo. O teatro, de maneira mais tangível do que qualquer outra arte, apresenta-nos o passado. Os quadros podem mostrar-nos o aspecto que o passado tinha, mas são como rastos ou pegadas, já não se movem. Em cada récita teatral, o que um dia aconteceu é reactualizado.»

John Berger fala-nos do ritual alimentar do burguês em contraponto com a refeição do camponês. fala também e ratos em ratoeiras, de Homero e Aristóteles e dá o alerta para que “evolução” significa, antes de mais, «desdobramento» e esclarece que os animais oferecem ao humano uma companhia singular, diferente, porque é uma companhia oferecida à solidão do homem enquanto espécie.

Ler John Berger é um acto muito próximo da leitura de “poesia”. Também a poesia é tida apenas por opção libertária, extensão e compreensão do respectivo leitor.


jef, outubro 2020

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