Coloca um botão de rosa sobre o seu vestido e depois desabotoa-o.
Coloca com a exactidão de um metrónomo o botão de rosa sobre o vestido. Com suavidade, muita suavidade. Não pela seda frágil das pétalas oclusas mas para proteger dos espinhos a seda azul.
Este gesto deve ser executado, ainda, com o rigor cúmplice desse metrónomo que rege a partitura deslizando sobre os compassos inaudíveis da pauta.
Nada se ouve por ser exactamente, suavemente, construído. Como o botão de rosa deixado sobre o azul.
Estando o botão colocado sobre o vestido, conclui-se o primeiro acto.
São dois objectos que se tocam na fragilidade, digamos, musical. Só na aparência, dado a música opor-se à ideia do ser frágil e a seda, das pétalas ou do vestido, demonstrarem o estatuto da perenidade poética.
Agora desabotoa-o. Já o tinha dito?
Um botão de rosa, que só parece frágil, aguarda o momento em que vai ser levantado, segurado com displicência milimétrica. A aristocracia efémera de quem sabe ser imprescindível.
É ao gesto de erguer com lentidão distraída uma flor que eu chamo desabotoar. O acto segundo fica encerrado.
A partir daí a flor em botão está prestes a ser esquecida. Acto terceiro e final.
Ela é, por um instante, encostada ao corpo do vestido, acariciada pela mão já em demanda de outras sedas. Logo a flor resvala segura e a falsa fragilidade revela-se.
A mão ferida revolta-se, esmaga as pétalas oclusas. A seda das pétalas é libertada. O espinho detém a lentidão musical, a suavidade perde-se. Tal como a exactidão.
Também o azul da seda fica manchado pela rapidez menos suave do sangue. Distraidamente rasgado pelo espinho.
Distraído, por estar lançado no chão, fica o vestido sobre o botão da flor que já não se reconhece. Esquecido.
Distraído, por trazer na leve memória a partitura musical que acaba de ser lida em silêncio. Digamos, aristocraticamente esquecido.
Desabotoado.
jef, maio 2015