quinta-feira, 30 de abril de 2020

Faia Fagus sylvatica L.


















Faia Fagus sylvatica L.
Família Fagaceae

As páginas dos botânicos colocam-na a seguir a nogueiras, bétulas, amieiros e avelaneiras. Dá nome a uma família famosa onde, logo antes, se encontram castanheiros e carvalhos. As Fagáceas. O nome do género sugere alimento, apetite, voracidade. Os frutos são aquénios, em grupo de dois ou três, lustrosos, de secção triangular e arestas marcadas, nutritivos, contendo grande percentagem de lípidos, apreciados pelos animais da floresta. Estão encerrados numa cúpula de quatro brácteas ligeiramente espinhosas que se abrem, lembrando avelãs, castanhas ou glandes. As inflorescências masculinas dispõem-se como pêndulos enquanto as femininas são menos conspícuas. As folhas, de 4 a 9 cm, são de um verde aberto e apresentam nervuras vincadas; ovaladas a elípticas, pontiagudas, com a margem ondulada e percorrida por pequenos cílios.

De folha caduca, pode atingir 35 metros de altura, tendo bom fuste, direito e claro. Oferece boa madeira também ela muito clara, grão fino e riscada pelos seus delgados raios lenhosos, apreciada em trabalhos de torno e marcenaria. O ritidoma contém elementos químicos com fama para diversas aplicações terapêuticas. Prefere encostas expostas a clima suave e húmido, entre 1000 e os 1500 metros, solos frescos sem secura estival nem muito ácidos. Ocorre nas serras do Centro e do Norte de Portugal continental, onde é cultivada ou está ligada à silvo-pastorícia, e estende-se por uma vasta área na Europa Central, desde o Sul da Escandinávia à Grécia Setentrional. Ocorre também na América do Norte.

As suas exigências hídricas e edafo-climáticas têm retirado expressão florestal em Portugal, mas as suas características botânicas, copa harmoniosa e ampla, folhagem delicada, tronco de coloração pouco comum, tem-lhe mantido a fama estética na tradição cultural popular.

jef, abril 2020

Maria Faia

Eu não sei como te chamas
Oh Maria Faia!
Nem que nome te hei-de eu pôr
Oh Maria Faia, oh Faia Maria!

Cravo não, que tu és rosa
Oh Maria Faia!
Rosa não, que tu és flor
Oh Maria Faia, oh Faia Maria!

Não te quero chamar cravo
Oh Maria Faia!
Que te estou a engrandecer,
Oh Maria Faia, oh Faia Maria!

Chamo-te antes espelho
Oh Maria Faia!
Onde espero de me ver
Oh Maria Faia, oh Faia Maria!

O meu amor abalou
Oh Maria Faia!
Deu-me uma linda despedida,
Oh Maria Faia, oh Faia Maria!

Abarcou-me a mão direita
Oh Maria Faia!
Adeus oh prenda querida
Oh Maria Faia, oh Faia Maria!

Tradicional Malpica do Tejo / Beira Baixa

José Afonso in «Traz Outro Amigo Também», 1970

* botânica

terça-feira, 28 de abril de 2020

Carvalho-cerquinho Quercus faginea Lam.













Carvalho-cerquinho Quercus faginea Lam.
Família Fagaceae

Já foi chamado «português» (Q. lusitanica). Quando os solos de características básicas ou a mão humana o deixa, em modo de bosque climácico, esta espécie espontânea supera os 20 metros de altura, adaptando-se bem a essa transição portuguesa entre o Norte húmido e o Sul mais seco, o Atlântico e o Mediterrâneo. Deu nome a diversas povoações com o étimo «Cercal». Também se apresenta de porte mais retraído, como coberto mais rasteiro ou associado a outros carvalhos, sobreiros ou azinheiras, formando com estes híbridos. Apesar de se distribuir no Noroeste de Portugal e numa área considerável que vai do Mondego a Lisboa, da Arrábida ao Oeste, do Alentejo ao Algarve, não aparece em alguns manuais de produção florestal, apesar dos indivíduos de maior porte darem boa madeira. É uma árvore característica de alguns ecossistemas florestais autóctones, muito ricos em biodiversidade, a necessitar de sérias medidas de conservação.

As folhas desta caducifólia são marcescentes, ou seja, mantêm-se até ao aparecimento da nova folhagem. São elípticas a ovaladas, de contorno crenado, enrolando-se para dentro, convolutas, e possuem alguma pilosidade na página inferior. A bolota que é oblonga sob uma taça, ou cúpula, de escamas assentes, não se confunde com as galhas ou bugalhos, que são esféricos, resultado da inoculação de ovos em alguns rebentos através da picada de certos insectos.

jef, abril 2020

* botânica

domingo, 26 de abril de 2020

Sobre o filme «Sabotagem» de Alfred Hitchcock, 1942

















João Bénard da Costa conclui o texto sobre o filme dizendo que a enorme adesão que os seus vários climaxes provocam tem muito que ver com fantasmas bem pouco inocentes e terrores bem pouco tranquilos.

E eu, sem querer aproximar-me da superior análise de J.B.C., acrescentaria que o filme resume tudo o que faz de Hitchcock um génio na construção de um filme totalmente coerente sobre uma inacreditável rede de episódios incoerentes.

Tudo aqui parece uma sequência louca de scherzos onde a qualidade da fotografia; a impressionante capacidade visual dos cenários; a “rapidez” da montagem; a habilidade dos diálogos literários de fazer ‘pausas morais e políticas’ sem interromper, uma vez sequer, o ritmo da história; desejam apenas que o espectador esqueça tudo e percorra uma espécie de alienação levado pela mão de um pesadelo criado pelo humor, a moral e o medo.

Para que lado devemos cair, então, numa história que começa com a enigmática beleza da sombra de um homem que percorre um enorme portão metálico e um incêndio apagado com um extintor cheio de gasolina, para terminar na magistral queda da Estátua da Liberdade de outro homem (o mesmo?) seguro por um fio do casaco, arrastando consigo a absolvição da inocência mas também a interrupção da culpa?

Tudo neste filme parece magnificamente falso mas orquestrado por quem domina a estratégia onírica que diz que, na arte, a adesão do espectador-leitor assenta mais em princípios de verosimilhança do que de verdade. E João Bénard da Costa bem reconhece que Hitchcock bem sabe manobrar a culpa intranquila dos nossos (talvez seus) fantasmas e terrores.

 jef, abril 2020

«Sabotagem» (Saboteur) de Alfred Hitchcock. Com Robert Cummings; Priscilla Lane, Otto Kruger; Alan Baxter; Alma Kruger, Vaughan Glazer; Dorothy Peterson; Ian Wolfe; Norman Lloyd; Clem Bevans; Anita Bolster; Marie Le Deux; Pedro de Cordoba. Argumento: Peter Viertel, Joan Harrison e Dorothy Parker sobre uma ideia de Hitchcock. Música: Frank Skinner, dirigida por Charles Previn. Fotografia: Joseph Valentine. EUA, 1942, P/B, 102 min.

sábado, 25 de abril de 2020

O Paulo olha o mínimo das coisas











O Paulo olha o mínimo das coisas

O Paulo é um rapaz que olha para o interstício das casas, para os pespontos das coisas. Esses lugares como bainhas onde tanto se acumulam o pó e o cotão como as migalhas do que está para chegar. Também a história de quem as coseu e, agora, de quem as olha. É assim que ele se reconhece sem precisar de passar pelo espelho.

Por outras palavras, o Paulo gosta de percorrer a cave ou o sótão à procura, investigando, do alicerce ou da estrutura de uma memória. A viga ou o pilar de uma ideia. Habituou-se a recordar e a recortar as fotografias dessa ideia, colando-lhe depois os pedaços de um modo diverso, ou de um modo difuso. É assim que melhor entende o osso de um olhar, a estética de um sorriso que ainda se irá expressar. Alinhava o presente, ou melhor, cose a bainha do presente como o faria a um jogo de Lego de que perdeu as instruções para montar. Sabe que o futuro é construído por tentativas e ajustes.

O Paulo sabe que, tal como a beleza, o dia que chegará está, precisamente, nas mãos da liberdade de o reconstruir, de olhar de novo para o alinhavo da bainha, para a poeira revelada pela luz que acabou de entrar pelo postigo.

jef, 25 abril 2020

* Perífrases e quarentena

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Sobre o filme «O Céu Gira» de Mercedes Álvarez, 2004.

















O filme começa com uma tela do pintor Pello Asketa onde se vêem duas crianças a espreitar para o fundo de um pântano. Buscam algo que lá se afundou ou esperam ver surgir alguma coisa. Assim também parte a realizadora para a aldeia dos seus pais e antepassados. Aldealseñor, Soria. 14 habitantes.

Perante uma réplica de triceratops, uma senhora mostra as pegadas e o túmulo de um pequeno dinossauro marcado na pedreira. Antes do Dilúvio. Um padeiro pode vir na segunda-feira. No palácio construído por escravos passeia o espírito de uma menina que não sabe rir. No cemitério recolhem-se a alma dos que ficam e a podridão dos que partem. Os castros dos celtibéricos, os povos que fugiram para Numancia, um dólmen, as terras dos romanos, os árabes. A morte do republicado de Magaña às mãos dos franquistas. Bush, Sadam e as armas; a chegada das eólicas e o palácio que vai ser transformado em hotel. Uma campanha eleitoral que perturba o sono e a oração. A eterna transformação sobre o silêncio da ausência. A morte do tio Eliseo. Um ulmeiro gigante que definha e retém, entre as raízes, caveiras humanas.

O pintor regressa mas está quase cego. Tacteia o ulmeiro seco, como tacteia a luz e as pinceladas impressionistas sobre as linhas a carvão sobre, talvez, a sua derradeira tela. Afinal, a morte é um regresso organizado com ajustes meticulosos contra o tempo, diz a realizadora. Mesmo a de uma aldeia deserta mas paciente que aguarda esse tempo.

jef, abril 2020

Eucalipto Eucalyptus globulus Labill.

















Eucalipto Eucalyptus globulus Labill.
Família: Myrtaceae

Existe um exemplar no lugar de Contige, em Sátão, distrito de Viseu, que dá nome àquele cruzamento de caminhos, protegido em decreto por ser monumental e muito digno: 50 metros de altura; 9,52 metros de perímetro à altura do peito; 29,5 metros de diâmetro de copa. Dizem os proprietários que terá sido plantado pelo ano 1878 e andará, certamente, arredado de polémicas sobre empobrecimento de solos, monoculturas industriais e incêndios florestais.

O século XIX via nele um bom ajudante para drenar os solos e como doador de boa lenha. O século XXI vê-o mais como fonte de fibras celulósicas para uma vasta gama de produtos. Também dele as abelhas gostam, também as suas essências odoríficas servem usos medicinais e a cosmética.

Da família das Mirtáceas, entre centenas de espécies do género, esta árvore de crescimento rápido pode atingir em Portugal até 70 metros de altura, exibindo folhas juvenis emparelhadas e opostas às do nó anterior, ovadas, azuladas, que derivam, quando adultas, para longas folhas falciformes, verde brilhante. As flores hermafroditas, onde um tufo de numerosos estames brancos se destaca do opérculo, resultam em fruto, uma cápsula lenhosa quadrangular e de quatro faces, de 1,5 a 3 cm. O ritidoma nas árvores adultas destaca-se em longas fitas dando à base do tronco diversas tonalidades entre o castanho, o cinzento e o amarelo.

Esta árvore exótica e aromática tem origem na ilha da Tasmânia e extremo sudeste da Austrália e dizem os manuais que dois terços da sua área de plantações se situa na Península Ibérica.

jef, abril 2020

* botânica

terça-feira, 21 de abril de 2020

Carvalho-roble ou carvalho-alvarinho Quercus robur L.













Carvalho-roble ou carvalho-alvarinho Quercus robur L.
Família Fagaceae

Da Península Ibérica aos Urais, da Grã-Bretanha ao Cáucaso, é o carvalho que poderá representar a floresta europeia. No Minho, Douro Litoral e Beira Litoral, em zonas planas ou de suave colina, representa ainda a imagem, o imaginário (ou a memória) de um mundo agro-silvo-pastoril, atlântico e chuvoso, de solos enriquecidos por uma manta morta espessa de folhado que guarda as sementes para regeneração natural, as que não foram levadas por gaios ou roedores. Solos fundos que bem servirão o uso agrícola, em mosaico, das aldeias.

Floresta, diversa na flora e na fauna que alberga, tem no centro uma caducifólia de folhas glabras, de recorte bem definido em três a sete pares de lobos arredondados, e por fruto uma glande oblonga e de pé comprido. Árvore de grande longevidade que pode atingir 40 metros de altura, de fuste considerável se em cultura ou isolado, ritidoma de cor cinzenta ou avermelhada, copa desigual, ramaria tortuosa, quantas vezes coberta de musgos e líquenes. Tanto pode fornecer excelente madeira resistente e flexível para carpintaria ou tanoaria como oferecer as ramagens ou adventícios para uso no espaço agrícola.

Uma árvore e uma floresta que o homem, ao longo dos séculos, resolveu ainda povoar de lendas, mitos e personagens da sua universal e popular ficção literária.

jef, abril 2020

* botânica

domingo, 19 de abril de 2020

Sobre o filme «Suspeita» de Alfred Hitchcock, 1941
























Este é um dos filmes-chave de Hitchcock. Quero dizer, um dos melhores filmes de Alfred Hitckcock.

A jovem culta, puritana, míope, destinada a ficar para tia, Lina MacKinlaw (Joan Fontaine), encontra, por acaso, numa obscura viagem de comboio John Aysgarth (Cary Grant). ‘Jonhny’ Aysgarth é um encantador galã que aparece frequentemente nas páginas das revistas sociais. Pede-lhe uns cêntimos para cobrir o bilhete de comboio e chama-lhe ‘monkey face”. Ela fica irremediavelmente apaixonada e casam-se contrariando a família e a vocação paterna, autoritária e militar, de Lina. Só depois de uma lua-de-mel de sonho e chegada à sua nova casa principesca, é que Lina descobre que Jonnhy é um pobretanas, vive de expedientes e empréstimos cujo pagamento vai adiando, mas permanece um eterno e apaixonante sedutor. Porém a dúvida instala-se em Lina e a suspeita passará a ser a permanente linha narrativa do filme. Nunca mais saímos do nervoso de buscar a verdade, atrás dos passos de Lina. Até além do último segundo.

Hitchcock jamais deixa de colocar o espectador do lado de Joan Fontaine, apaixonada e desconfiada, tomando sempre a parte pelo todo, na incerteza do seu próprio julgamento sobre os sucessivos e suspeitos episódios. E nós, espectadores incrédulos, a olhar através das lentes dos óculos de Lina. E se a espantosa Joan Fontaine aparece como uma imatura e angustiada adolescente na desconfiança da sua própria paixão, vemos também Cary Grant como adolescente imaturo, seduzindo e provocando a nervosa desconfiança no próprio percurso que Hitchcock sugere ser alegre e estouvado. Uma figura que, no início, não desdenha as das comédias de Howard Hawks. Nada mais psicanalítico.

Por isso, o filme poder-se-ia chamar «Suspensão» em vez de «Suspeita» pois é difícil uma aparente comédia de costumes se transformar em tragédia sobre a angústia da desconfiança permanente no amor, terminando na cabal, quase fatal, suspensão sobre a verdade onde assenta, talvez de modo ingénuo, a tranquilidade (ou felicidade) do dia-a-dia.

jef, abril 2020

«Suspeita» (Suspicion) de Alfred Hitchcock. Com Cary Grant, Joan Fontaine, Sir Cedric Hardwicke, Nigel Bruce, Dame May Whitty, Isabel Jeans, Heather Angel, Auriol Lee, Leo G. Carroll, Reginald Sheffield, Maureen Roden-Ryan, Constance Worth, Violet Shelton. Argumento: Samson Raphaelson, Joan Harrison, Alma Reville baseado no romance de Francis Iles (Anthony Berkeley) «Before the Fact». Música: Franz Waxman. Fotografia: Harry Stradling. EUA, 1941, P/B, 99 min.

sábado, 18 de abril de 2020

O Manel gosta de ler as paredes
















O Manel gosta de ler as paredes

O Manel conhece bem as paredes da cidade. Melhor, o Manel é um rapaz que gosta de ler as palavras inscritas nas paredes da cidade. Diz que assim entende melhor as pessoas que se escondem no espaço fininho que existe entre a caliça e a tinta das ditas palavras. Corrijo, das ditas escritas palavras. Porque as paredes, diz, são como as palavras ou a música que elas emitem quando falamos. Por isso, há muito, começou a responder ao que lia nos rabiscos encontrados entre portas, ombreiras e janelas. Também em rodapés e corrimãos, escritas baixinho como se não fossem para serem ouvidas. Uma espécie de cartas sonoras, musicais. Alguns chamavam crónicas às cartas quando as liam, abrindo o envelope ou o jornal. Porque ele não esquecia os jornais de parede da antiga China, estrelas amarelas, livros vermelhos, tigres de papel. Ou os escritos que afirmavam, franceses, que que era proibido proibir. Ou, ainda, os que impediam os soldados de voltarem para a guerra e todos de voltarem ao fascismo. Quando ninguém podia conversar com as paredes. Escrever aquelas crónicas-canções era como que dar liberdade aos que se mantinham por trás da caliça, entre tijolos e argamassa.

O Manel dá muita importância à alegria de escutar as palavras nas paredes e de lhes responder em papel. Como não tem vocação de sonhador, prefere agir. Pega na trincha e no balde de tinta e escreve. Recorda-se do que, a tremer, fala ao Mostrengo: «El Rei Dom João II!». Ou o outro que, rompendo com a saudade, já nada teme e afirma-se o homem do leme.

jef, março 2020

* Perífrases e quarentena

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Carvalho-negral Quercus pyrenaica Willd.














Carvalho-negral Quercus pyrenaica Willd.
Família Fagaceae

Chamam-no assim porque a página inferior das folhas é coberta por um tomento abundante, lanoso e escuro. Essas folhas características são membranáceas, têm um recorte profundo e lobos estreitos, arredondados no ápice. O fruto é uma glande ovóide bastante envolvida pela taça. A copa desta caducifólia é irregular e ampla, que pode em alguns casos superar os 20 metros de altura, sendo o fuste coberto por ritidoma castanho-acinzentado, fendido em placas.

É um carvalho que ocupa matas na região interior do Minho, Trás-os-Montes e Beiras, com clima de influência atlântica e continental, apresentando aí os indivíduos mais imponentes. Dizem que é de montanha por se desenvolver melhor a altitudes entre os 400 e os 1500 metros, preferindo solos leves, siliciosos, de origem granítica. Contudo, pela sua apreciada madeira de qualidade ou pelo uso excessivo do material de talhadia, em revoluções de corte mais curtas, pode a sua conservação nas áreas de regeneração natural ser urgente, preservando um ecossistema rico e único e o futuro da exploração do seu material produtivo.

Curioso o facto de ser espontâneo na Península Ibérica, na região ocidental de França e em Marrocos mas estar praticamente ausente nos Pirenéus.

jef, abril 2020

* botânica

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Nogueira Juglans regia L.















Nogueira Juglans regia L.
Família Juglandaceae

Árvore caducifólia que pode atingir 30 metros de altura. Tronco amplo com ritidoma acinzentado que se vai cobrindo de fissuras com a idade. Copa larga e arredondada mas branda, talvez mesmo desarrumada. Folhas compostas por folíolos ímpares e flores em amentilhos. O fruto ovoide e verde, dita trima, como uma drupa (ou um pêssego), com perto de 5 cm de diâmetro, vai-se desfazendo com o tempo mostrando o que traz dentro (endocarpo e semente). Essa curiosa e única semente dividida em 4 lóbulos, recoberta por circunvoluções em modo cerebroide. Enfim, a noz.

jovis glans, chamavam-lhe os latinos antigamente. A glande de Júpiter. Os romanos muito viajaram e sempre tiveram inclinação para espalhar culturas. As agrícolas, as florestais e as outras… Na realidade, esta árvore vinda das bandas dos Balcãs não será propriamente «autóctone» ou «florestal», pertencendo mais à casa agrícola, ao quintal, à mão humana que muito a aprecia pelo fruto adstringente, de bons óleos, e pela sua madeira clara que é de alta qualidade. Ou em algumas regiões de Trás-os-Montes e Alto Alentejo, lugares frescos com solos húmidos e profundos, onde se assilvestraram. Apesar de tudo, muito amada e cultivada, disseminando patrónimos nas famílias portuguesas e topónimos em diversas regiões. Haverá muitas nogueiras na respectiva serra?

jef, abril 2020

* botânica

terça-feira, 14 de abril de 2020

Sobre o livro «Fahrenheit 451» de Ray Bradbury, 1953, tradução de Mário Henrique Leiria (1956). Público – Colecção Mil Folhas, 2003




Faber, o incógnito literato, talvez mais velho do que cobarde, explica às escondidas a Guy Montag como se processam os livros (e a democracia!). Três passos fundamentais: (1) a qualidade porosa dos livros e a rede dos conhecimentos; (2) o repouso e o tempo para pensar e assimilar; por último (3) o direito de realizar actos baseados no que é ensinado pela ligação de (1) e (2). Como exemplo, dá o de Héracles que venceu o gigantesco Anteu, monstro “invencível” que morava pelas bandas do mediterrâneo ocidental, bastando para tal tirar-lhe os pés da Terra.

Montag, que é tocado pelos inspiradores passeios da jovem vizinha Clarisse, afinal, sonega, ele próprio, livros à salamandra incineradora dos bombeiros e esconde-os atrás da grelha de ventilação. Salva um deles, a Bíblia, e recebe a incumbência de proteger a memória do antigo livro do Eclesiastes, o livro da sabedoria e da união. Terá de o fazer, em fuga, contra o furor letal do cão-polícia-mecânico, o vôo iluminado dos helicópteros, a derradeira guerra instantânea.

Um livro poético. Um livro presente. Um livro principal.

jef, abril 2020

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Sobre o filme «A Grande Ilusão» de Jean Renoir, 1937









Existe no espírito profundo do Mestre-Realizador Jean Renoir uma vocação ecuménica tão marcada quanto a sua propensão para a provocação. Para Renoir a humanidade é bela, diversa e una, e o dever do artista no meio de uma sociedade mundial em guerra é, acima de tudo, derrotar preconceitos e instigar à consciência colectiva.

Mas se Renoir ficasse por aqui, seria um génio apenas politizado. O que o torna um dos maiores realizadores de sempre é esse espírito diabolicamente criativo, irremediavelmente atrevido, apaixonadamente teatral, marcadamente estético… (será que este facto trará qualquer coisa de genético, vindo de seu pai, Auguste?)

Jean Renoir pela-se por realizar filmes de aventuras. Filmes de aventuras com aventuras lá dentro, saltando de peripécia em peripécia, de cenário para cenário, de movimento em movimento, de rapidez em rapidez. Ele manobra a atenção do espectador como quer, do início ao fim, afundando-a dentro da intriga que vai passando pelos episódios, do mais sério e social dos temas ao mais burlesco, da fuga mais desesperada para a cena bucólica e tão comovente. É assim Jean Renoir. É assim «A Grande Ilusão». A nossa grande ilusão de uma sociedade sem guerras e exposta através do estado maior da Arte Cinematográfica.

Dentro do filme contam-se história rigorosamente verdadeiras, afirma o realizador, a si contadas por combatentes na Grande Guerra de 1914-1918.

Após o abate do avião na frente alemã, o capitão von Rauffenstein (Erich von Stroheim) recebe com a maior deferência os prisioneiros, o aristocrata Boieldieu (Pierre Fresnay) e o contramestre Maréchal (Jean Gabin) que, mais tarde, serão transferidos para um campo de prisioneiros oficiais onde se juntam a outros, entre os quais o banqueiro judeu Rosenthal (Marcel Dalio). Aí, alguém olha para a janela e diz: «De um lado crianças brincam como soldados e do outro soldados brincam como crianças.» Aí, os prisioneiros  promovem um espectáculo de variedades para onde são convidados os oficiais alemães, os quais, no final, têm de ouvir «A Marselhesa» cantada pelos prisioneiros aliados emocionalmente travestidos de coristas. Aí, é também cavado um túnel de fuga mas que nunca chega a ser utilizado por conta de mais uma mudança de cena. Na fortaleza inexpugnável reencontram-se com alegria e cerimónia o alemão von Rauffenstein e o francês Boieldieu. Aí, o capitão fere mortalmente o amigo francês enquanto este vai subindo sucessivas escadas “renoirianas” e, por fim, deposita uma flor sobre o cadáver. Deste modo, Maréchal e Rosenthal conseguem fugir. Maréchal desconfiava do aristocrata, e desconfia do judeu, mas reconciliam-se. Chegam a casa de uma pobre viúva alemã (Dita Parlo) que os acolhe sem hesitar, sem mácula de desconfiança. Os laços restabelecem-se e a humanidade será maior.

Este é um dos maiores filmes anti-guerra que vi! Um dos grandes filmes do mundo que devia ser visto por todos, neste momento, com o guião ao lado, ou o libreto na mão, já que o que Jean Renoir filma são óperas. Trágicas, cómicas e de uma beleza cénica comovente e absoluta.

 jef, abril 2020

«A Grande Ilusão» (La Grande Illusion) de Jean Renoir. Com Pierre Fresnay, Jean Gabin, Erich von Stroheim, Dita Parlo, Marcel Dalio, Julien Carette, Jean Daste, Gaston Modot, Jacques Becker, Jean Dasté, Georges Péclet, Sylvain Itkine, werner Florian. Argumento e Diálogos: Charles Spaak e Jean Renoir a partir do romance de Rumer Godden. Fotografia: Christian Matras. Música: Joseph Kosma. França, 1937, P/B, 109 min.