Este é um dos filmes-chave de Hitchcock. Quero dizer, um dos
melhores filmes de Alfred Hitckcock.
A jovem culta, puritana, míope, destinada a ficar para tia, Lina
MacKinlaw (Joan Fontaine), encontra, por acaso, numa obscura viagem de comboio
John Aysgarth (Cary Grant). ‘Jonhny’ Aysgarth é um encantador galã que aparece
frequentemente nas páginas das revistas sociais. Pede-lhe uns cêntimos para cobrir
o bilhete de comboio e chama-lhe ‘monkey face”. Ela fica irremediavelmente
apaixonada e casam-se contrariando a família e a vocação paterna, autoritária e
militar, de Lina. Só depois de uma lua-de-mel de sonho e chegada à sua nova casa
principesca, é que Lina descobre que Jonnhy é um pobretanas, vive de expedientes
e empréstimos cujo pagamento vai adiando, mas permanece um eterno e apaixonante
sedutor. Porém a dúvida instala-se em Lina e a suspeita passará a ser a permanente
linha narrativa do filme. Nunca mais saímos do nervoso de buscar a verdade, atrás
dos passos de Lina. Até além do último segundo.
Hitchcock jamais deixa de colocar o espectador do lado de Joan
Fontaine, apaixonada e desconfiada, tomando sempre a parte pelo todo, na
incerteza do seu próprio julgamento sobre os sucessivos e suspeitos episódios.
E nós, espectadores incrédulos, a olhar através das lentes dos óculos de
Lina. E se a espantosa Joan Fontaine aparece como uma imatura e angustiada adolescente
na desconfiança da sua própria paixão, vemos também Cary Grant como
adolescente imaturo, seduzindo e provocando a nervosa desconfiança no próprio percurso
que Hitchcock sugere ser alegre e estouvado. Uma figura que, no início, não
desdenha as das comédias de Howard Hawks. Nada mais psicanalítico.
Por isso, o filme poder-se-ia chamar «Suspensão» em vez de «Suspeita» pois é
difícil uma aparente comédia de costumes se transformar em tragédia sobre
a angústia da desconfiança permanente no amor, terminando na cabal, quase fatal,
suspensão sobre a verdade onde assenta, talvez de modo ingénuo, a tranquilidade
(ou felicidade) do dia-a-dia.
jef, abril 2020
«Suspeita» (Suspicion) de Alfred Hitchcock. Com
Cary Grant, Joan Fontaine, Sir Cedric Hardwicke, Nigel Bruce, Dame May Whitty,
Isabel Jeans, Heather Angel, Auriol Lee, Leo G. Carroll, Reginald Sheffield,
Maureen Roden-Ryan, Constance Worth, Violet Shelton. Argumento: Samson
Raphaelson, Joan Harrison, Alma Reville baseado no romance de Francis Iles
(Anthony Berkeley) «Before the Fact». Música:
Franz Waxman. Fotografia: Harry Stradling. EUA, 1941, P/B, 99 min.
Uma boa resenha de um bom filme, do qual já nem me lembrava. A rever.
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