domingo, 26 de abril de 2020

Sobre o filme «Sabotagem» de Alfred Hitchcock, 1942

















João Bénard da Costa conclui o texto sobre o filme dizendo que a enorme adesão que os seus vários climaxes provocam tem muito que ver com fantasmas bem pouco inocentes e terrores bem pouco tranquilos.

E eu, sem querer aproximar-me da superior análise de J.B.C., acrescentaria que o filme resume tudo o que faz de Hitchcock um génio na construção de um filme totalmente coerente sobre uma inacreditável rede de episódios incoerentes.

Tudo aqui parece uma sequência louca de scherzos onde a qualidade da fotografia; a impressionante capacidade visual dos cenários; a “rapidez” da montagem; a habilidade dos diálogos literários de fazer ‘pausas morais e políticas’ sem interromper, uma vez sequer, o ritmo da história; desejam apenas que o espectador esqueça tudo e percorra uma espécie de alienação levado pela mão de um pesadelo criado pelo humor, a moral e o medo.

Para que lado devemos cair, então, numa história que começa com a enigmática beleza da sombra de um homem que percorre um enorme portão metálico e um incêndio apagado com um extintor cheio de gasolina, para terminar na magistral queda da Estátua da Liberdade de outro homem (o mesmo?) seguro por um fio do casaco, arrastando consigo a absolvição da inocência mas também a interrupção da culpa?

Tudo neste filme parece magnificamente falso mas orquestrado por quem domina a estratégia onírica que diz que, na arte, a adesão do espectador-leitor assenta mais em princípios de verosimilhança do que de verdade. E João Bénard da Costa bem reconhece que Hitchcock bem sabe manobrar a culpa intranquila dos nossos (talvez seus) fantasmas e terrores.

 jef, abril 2020

«Sabotagem» (Saboteur) de Alfred Hitchcock. Com Robert Cummings; Priscilla Lane, Otto Kruger; Alan Baxter; Alma Kruger, Vaughan Glazer; Dorothy Peterson; Ian Wolfe; Norman Lloyd; Clem Bevans; Anita Bolster; Marie Le Deux; Pedro de Cordoba. Argumento: Peter Viertel, Joan Harrison e Dorothy Parker sobre uma ideia de Hitchcock. Música: Frank Skinner, dirigida por Charles Previn. Fotografia: Joseph Valentine. EUA, 1942, P/B, 102 min.

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