sábado, 25 de abril de 2020

O Paulo olha o mínimo das coisas











O Paulo olha o mínimo das coisas

O Paulo é um rapaz que olha para o interstício das casas, para os pespontos das coisas. Esses lugares como bainhas onde tanto se acumulam o pó e o cotão como as migalhas do que está para chegar. Também a história de quem as coseu e, agora, de quem as olha. É assim que ele se reconhece sem precisar de passar pelo espelho.

Por outras palavras, o Paulo gosta de percorrer a cave ou o sótão à procura, investigando, do alicerce ou da estrutura de uma memória. A viga ou o pilar de uma ideia. Habituou-se a recordar e a recortar as fotografias dessa ideia, colando-lhe depois os pedaços de um modo diverso, ou de um modo difuso. É assim que melhor entende o osso de um olhar, a estética de um sorriso que ainda se irá expressar. Alinhava o presente, ou melhor, cose a bainha do presente como o faria a um jogo de Lego de que perdeu as instruções para montar. Sabe que o futuro é construído por tentativas e ajustes.

O Paulo sabe que, tal como a beleza, o dia que chegará está, precisamente, nas mãos da liberdade de o reconstruir, de olhar de novo para o alinhavo da bainha, para a poeira revelada pela luz que acabou de entrar pelo postigo.

jef, 25 abril 2020

* Perífrases e quarentena

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