«Não sei nada de gramática e
pontuação. Tenho um sistema de gramática e de pontuação cá muito meu. A base
deste sistema é: ser lúcido e escrever cada ideia por sua vez. Nunca falo de
literatura. Falo a linguagem de todos os mandriões.»
Os prefácios escritos por Saroyan e apresentados neste volume
(que o meu pai comprou, em Outubro de 1949, “num dia em que fui à praia”) são clarividentes,
despudorados, mas incluem uma enorme dose de prosápia e falta de vergonha,
facto que apenas engrandece o autor. Ele não teme dizer tudo, com elegância e
humor, o que lhe vem à ideia. Diz na entrevista que aos nove anos nunca “pensou
em escrever” apenas começou a escrever.
Os seus contos são isso mesmo. Quase em jeito de crónicas vindas
de uma memória amada ou de um mundo deliciosamente agreste. São ternos,
delicados, imediatos, cheios de humor e benevolência. Contam histórias, como en passant, de crianças respeitosamente
irreverentes, de tios amavelmente loucos, de gentes de todas as origens que se
juntam em Fresno, na Califórnia, onde William Saroyan nasceu e morreu (1908 –1981).
A sua maior influência, e talvez genial desfaçatez, é ser americano dos seis
costados mas amar acima de tudo a sétima costela vinda da sua família emigrada da
Arménia. Conviveu com portugueses, espanhóis, gregos, judeus, filipinos, viajou
por todo o mundo, vendeu jornais, escreveu para cinema, trabalhou nas vinhas
californianas. Serviu na Segunda Grande Guerra como soldado raso. Recusou um
prémio Pulitzer, dizendo: “O capital não tem direito de patrocinar a arte”. E ainda
escreve:
«Mas o conselho mais sensato, creio,
que se pode dar a um escritor é o seguinte: procura aprender a respirar fundo,
a saborear verdadeiramente quando comes, a dormir verdadeiramente quando
adormeces. Procura quanto possível estar inteiramente vivo, com toda a tua
força; e quando rires ri a valer; e quando te zangares zanga-te que nem o
diabo. Procura estar vivo. Deixa lá, que depressa morrerás.»
O humor, a ternura, a capacidade de desculpar, são o modo
fundamental dos contos de Saroyan. Porém, um dos contos-chave que o elevou ao
escaparate dos mundialmente famosos foi um texto curto, dilacerado, pungente.
Alguém, ébrio de fome, dramaticamente só, sonha e trauteia a canção «O Rapaz do
Trapézio Voador» enquanto percorre as ruas de uma cidade em ausência. Qualquer coisa
muito forte entre o Raskolnikov de Dostoiévski e a «Fome» de Knut Hamsun.
Perto de 30 contos maravilhosos de um autor que, suspeito, é
hoje injustamente esquecido.
A capa é deslumbrante, as pequeninas ilustrações também. O autor
não vem creditado.
jef, abril 2020
Boa tarde,
ResponderEliminarNão me quer vender este livro?
Obrigado,
Pedro