sexta-feira, 10 de abril de 2020

A Fernanda entende o espaço













A Fernanda entende o espaço

A Fernanda é uma rapariga que gosta do espaço. Por isso, movimenta-se. Compreende que só assim pode constatar a seu real dimensão, ocupando-o, completando-o. Confessa que gosta de dançar. O seu gato não tanto, mesmo que se espreguice e tente tocar com os bigodes e a cauda tigrada nas duas paredes opostas, ao mesmo tempo. A música que a dona coloca para dança incomoda-o, transcende sem ocupar o espaço onde se encontra em simultâneo com aquela dança. A música alto de agudos definidos e sincopada por baixos muito baixos enerva-o ligeiramente, apesar de reconhecer a satisfação da sua dona, o que muito lhe agrada. A Fernanda feliz quer dizer mais festas no queixo e ração húmida na tijela. Os gatos, como os donos dos gatos, respondem aos mesmos estímulos, reagem de modo semelhante aos mesmos olhares físicos, espaciais. Pele no pêlo, pata no peito.

O que o gato da Fernanda não reconhece, ainda, (ora aqui estão algumas diferenças genéticas e adquiridas entre símios e felinos) é que a dona não dança. Faz exercício físico porque ela acha (e sente) que lhe é essencial. Fundamental para a circulação sanguínea, o tónus muscular, o fomento de adrenalinas, serotoninas, endorfinas e outros alcalóides naturais. Também para o comportamento social e os sorrisos. Isso já Tibério Augusto (assim se chama o gato da Fernanda) compreende muito bem.

Tibério sabe, tal como a dona, que há um espaço que deve ser preenchido, activado, animado. Apenas coisa do mundo animal. Caso contrário esse lugar, que é o deles, vai diminuindo, encolhendo, ficando eles em perigo de exclusão. O maior dos perigos! Por isso e para acompanhar e compreender a dona nos seus movimentos físicos, musicais, repetidos, ligeiramente suados, Tibério desenvolve corridas sobre os móveis que, por vezes, também se mexem, como o próprio nome indica. Esconde-se, salta, faz escorregar o tapete para debaixo da estante dos livros da Fernanda.

É assim que Tibério Augusto faz expandir o espaço para que Fernanda possa dançar.

jef, abril 2020

* Perífrases e quarentena

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