segunda-feira, 13 de abril de 2020

Sobre o filme «A Grande Ilusão» de Jean Renoir, 1937









Existe no espírito profundo do Mestre-Realizador Jean Renoir uma vocação ecuménica tão marcada quanto a sua propensão para a provocação. Para Renoir a humanidade é bela, diversa e una, e o dever do artista no meio de uma sociedade mundial em guerra é, acima de tudo, derrotar preconceitos e instigar à consciência colectiva.

Mas se Renoir ficasse por aqui, seria um génio apenas politizado. O que o torna um dos maiores realizadores de sempre é esse espírito diabolicamente criativo, irremediavelmente atrevido, apaixonadamente teatral, marcadamente estético… (será que este facto trará qualquer coisa de genético, vindo de seu pai, Auguste?)

Jean Renoir pela-se por realizar filmes de aventuras. Filmes de aventuras com aventuras lá dentro, saltando de peripécia em peripécia, de cenário para cenário, de movimento em movimento, de rapidez em rapidez. Ele manobra a atenção do espectador como quer, do início ao fim, afundando-a dentro da intriga que vai passando pelos episódios, do mais sério e social dos temas ao mais burlesco, da fuga mais desesperada para a cena bucólica e tão comovente. É assim Jean Renoir. É assim «A Grande Ilusão». A nossa grande ilusão de uma sociedade sem guerras e exposta através do estado maior da Arte Cinematográfica.

Dentro do filme contam-se história rigorosamente verdadeiras, afirma o realizador, a si contadas por combatentes na Grande Guerra de 1914-1918.

Após o abate do avião na frente alemã, o capitão von Rauffenstein (Erich von Stroheim) recebe com a maior deferência os prisioneiros, o aristocrata Boieldieu (Pierre Fresnay) e o contramestre Maréchal (Jean Gabin) que, mais tarde, serão transferidos para um campo de prisioneiros oficiais onde se juntam a outros, entre os quais o banqueiro judeu Rosenthal (Marcel Dalio). Aí, alguém olha para a janela e diz: «De um lado crianças brincam como soldados e do outro soldados brincam como crianças.» Aí, os prisioneiros  promovem um espectáculo de variedades para onde são convidados os oficiais alemães, os quais, no final, têm de ouvir «A Marselhesa» cantada pelos prisioneiros aliados emocionalmente travestidos de coristas. Aí, é também cavado um túnel de fuga mas que nunca chega a ser utilizado por conta de mais uma mudança de cena. Na fortaleza inexpugnável reencontram-se com alegria e cerimónia o alemão von Rauffenstein e o francês Boieldieu. Aí, o capitão fere mortalmente o amigo francês enquanto este vai subindo sucessivas escadas “renoirianas” e, por fim, deposita uma flor sobre o cadáver. Deste modo, Maréchal e Rosenthal conseguem fugir. Maréchal desconfiava do aristocrata, e desconfia do judeu, mas reconciliam-se. Chegam a casa de uma pobre viúva alemã (Dita Parlo) que os acolhe sem hesitar, sem mácula de desconfiança. Os laços restabelecem-se e a humanidade será maior.

Este é um dos maiores filmes anti-guerra que vi! Um dos grandes filmes do mundo que devia ser visto por todos, neste momento, com o guião ao lado, ou o libreto na mão, já que o que Jean Renoir filma são óperas. Trágicas, cómicas e de uma beleza cénica comovente e absoluta.

 jef, abril 2020

«A Grande Ilusão» (La Grande Illusion) de Jean Renoir. Com Pierre Fresnay, Jean Gabin, Erich von Stroheim, Dita Parlo, Marcel Dalio, Julien Carette, Jean Daste, Gaston Modot, Jacques Becker, Jean Dasté, Georges Péclet, Sylvain Itkine, werner Florian. Argumento e Diálogos: Charles Spaak e Jean Renoir a partir do romance de Rumer Godden. Fotografia: Christian Matras. Música: Joseph Kosma. França, 1937, P/B, 109 min.

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