Afinal, a tragédia é uma comédia. Quase todos os filmes de
Sorrentino o são, mas este é mais silencioso, mais apurado, mais simples. Com menos
espalhafato narrativo e cenográfico que os demais.
Titta Di Girolamo (Toni Servillo) é um homem elegante, discreto,
solitário, divorciado que vive num hotel na Suíça e paga a tempo e horas o seu
quarto. A rotina é uma praxe. O segredo que guarda também. O dever de seriedade
ajuda-o a manter a tal rotina vai para dez anos. Não passa despercebido às mulheres:
a empregada de quarto admira-o secretamente. Sente-se atraído por Sofia (Olivia
Magnani), a empregada do bar. E ela também por ele. Mas parece não lhe passar cartão.
Até que um dia, Titta escreve num pequeno cartão: “projecto de futuro: não
subestimar as consequências do amor”. E faz um desfalque.
Essencialmente, é a seriedade e a elegância extremas do actor
Toni Servillo que transformam a tragédia em comédia (e vice-versa), dando um
cariz “Buster Keaton” a Titta Di Girolamo. O seu desejo é o seu isolamento. A solidão
é talvez o mote para o seu calmo desespero.
Tem um contrato que não pode quebrar. Tem um irmão surfista
com quem não se dá. Tem uma família que não quer saber dele. Tem um melhor
amigo que trabalha na reparação das linhas de alta tensão nos Alpes, e que não
vê há muito.
Para ele, o amor é inevitável e as suas consequências não as
poderá subestimar.
É, afinal, um filme perversamente melancólico sobre a
estrutura de uma das organizações mais sinistras de Itália. E essa melancolia
amorosa tudo deve à representação de um actor: Toni Servillo.
jef, maio 2021
«As Consequências do Amor» (Le Conseguenze dell'Amore) de Paolo
Sorrentino. Com Toni Servillo, Olivia Magnani, Adriano Giannini, Antonio
Ballerio, Gianna Paola
Scaffidi, Nino D'Agata, Vincenzo
Vitagliano, Diego Ribon, Gilberto Idonea, Giovanni Morosso, Giselda Volodi. Argumento:
Paolo Sorrentino. Fotografia: Luca Bigazzi. Música: Pasquale
Catalano. Produção: Francesca
Cima, Angelo Curti. Itália, 2004, Cores, 100 min.