Joseph
Losey tem a noção perfeita do espaço cénico, medido a régua e esquadro. As personagens devem ocupar todos os planos e poros que o palco
lhes oferece. As escadas operáticas com o coro espalhado olhando o protagonista
obrigado a confrontar-se com a progressiva solidão. Os corredores e
esquinas inóspitos e cruéis, as praças onde os automóveis-arrastadeiras negros
cirandam numa arena circense, os autocarros cheios de encarcerados a correr na perpendicular do nosso olhar, os recantos exíguos e fétidos apresentados
pela porteira (Suzanne Flon) e onde o usurário Mr. Klein (Alain Delon) investiga
e, ao mesmo tempo, o partisan Mr. Klein se esgueira por entre os dedos. A
dimensão cerimoniosamente romântica e nocturna da mansão de Florence Klein (Jeanne
Moreau). As vastas alas assépticas onde o clínico regista as características
fisionómicas judaicas das vítimas. A cidade de Paris claustrofóbica e manietada
pela ocupação nazi.
Volto
a recordar-me da circular exuberância dos planos teatrais de Jean Renoir ou Stanley
Kubrick.
Não
conheço outro filme-alegoria onde o maior paradoxo contemporâneo da humanidade,
o Holocausto, esteja retratado com tanta delicadeza, com tamanha dimensão estética e abstracta do medo e da perseguição. Onde a permanente e humorística negação da
realidade exibida por Mr. Klein tão bem represente quem, assobiando para o
lado, assistiu ao feitiço virar-se contra o feiticeiro, fazendo afundar o mundo num
oceano de ignomínia e estupor.
Um
grande acto de representação de Alain Delon.
jef,
maio 2021
«Mr.
Klein – Um Homem na Sombra» de Joseph Losey. Com Alain Delon, Jeanne Moreau, Francine
Bergé, Juliet Berto, Jean Bouise, Suzanne Flon, Michael Lonsdale, Michel Aumont,
Massimo Girotti, Roland Bertin, Jean Champion, Etienne Chicot, Magali Clément,
Gérard Jugnot. Argumento: Franco Solinas, Fernando Morandi (e Costa Gravas). Produção:
Alain Delon. Fotografia: Gerry Fisher. Música: Egisto Macchi e Pierre Porte. França,
1976, Cores, 123 min.
Sem comentários:
Enviar um comentário