sexta-feira, 7 de maio de 2021

Sobre o filme «Mr. Klein – Um Homem na Sombra» de Joseph Losey, 1976.




























Joseph Losey tem a noção perfeita do espaço cénico, medido a régua e esquadro. As personagens devem ocupar todos os planos e poros que o palco lhes oferece. As escadas operáticas com o coro espalhado olhando o protagonista obrigado a confrontar-se com a progressiva solidão. Os corredores e esquinas inóspitos e cruéis, as praças onde os automóveis-arrastadeiras negros cirandam numa arena circense, os autocarros cheios de encarcerados a correr na perpendicular do nosso olhar, os recantos exíguos e fétidos apresentados pela porteira (Suzanne Flon) e onde o usurário Mr. Klein (Alain Delon) investiga e, ao mesmo tempo, o partisan Mr. Klein se esgueira por entre os dedos. A dimensão cerimoniosamente romântica e nocturna da mansão de Florence Klein (Jeanne Moreau). As vastas alas assépticas onde o clínico regista as características fisionómicas judaicas das vítimas. A cidade de Paris claustrofóbica e manietada pela ocupação nazi.

Volto a recordar-me da circular exuberância dos planos teatrais de Jean Renoir ou Stanley Kubrick.

Não conheço outro filme-alegoria onde o maior paradoxo contemporâneo da humanidade, o Holocausto, esteja retratado com tanta delicadeza, com tamanha dimensão estética e abstracta do medo e da perseguição. Onde a permanente e humorística negação da realidade exibida por Mr. Klein tão bem represente quem, assobiando para o lado, assistiu ao feitiço virar-se contra o feiticeiro, fazendo afundar o mundo num oceano de ignomínia e estupor.

Um grande acto de representação de Alain Delon.


jef, maio 2021

«Mr. Klein – Um Homem na Sombra» de Joseph Losey. Com Alain Delon, Jeanne Moreau, Francine Bergé, Juliet Berto, Jean Bouise, Suzanne Flon, Michael Lonsdale, Michel Aumont, Massimo Girotti, Roland Bertin, Jean Champion, Etienne Chicot, Magali Clément, Gérard Jugnot. Argumento: Franco Solinas, Fernando Morandi (e Costa Gravas). Produção: Alain Delon. Fotografia: Gerry Fisher. Música: Egisto Macchi e Pierre Porte. França, 1976, Cores, 123 min.

Sem comentários:

Enviar um comentário