quinta-feira, 20 de maio de 2021

Sobre o filme «Charlatão» de Agnieszka Holland, 2020

 



















A realizadora polaca de 72 anos, Agnieszka Holland, constrói uma matriz ficcional para a vida de Jan Mikolásek (1889-1973), homem dotado de excepcional saber medicinal do cardápio botânico e de olho clínico para, através da observação translúcida da urina, determinar um grande número de doenças. Esses dois conhecimentos associados a um poder de trabalho colossal trouxe-lhe muita fama e proveito. Fama e proveito que, numa Europa ataviada em preconceitos, em guerras mundiais, nazismos e regimes totalitários, também lhe ofereceu dissabores em quantidade igual.

É um filme delicado e tenso composto com gravidade quase renascentista, entre sépias, penumbras e sombras, envolvendo a personagem do botânico-clínico na extraordinária capacidade do actor Ivan Trojan de nos transmitir o conflito interior que encerrava. Em primeiro lugar, defendendo a sua intuição “médica” contra a qual ele próprio por vezes se debatia, dando à actividade o profissionalismo exigível numa altura em que a medicina ancestral de cariz natural e a homeopatia não tinham ainda estatuto oficial. Por outro, não convivendo tranquilamente com o êxito popular que granjeava sabendo que vivia numa época em que os desafios bélicos, políticos ou sociais se sobrepunham invariavelmente à saúde pública assumida pelo Estado, tanto no meridiano Ocidental como no de Leste.

Por fim, expondo com o devido recolhimento a relação homossexual que durante os anos manteve com o seu mais jovem assistente Frantisek Palko (Juraj Loj).

Tais sinais contraditórios e conflituosos talvez ditem o modo demasiado formal, explicativo, repleto de flashbacks e cenas elucidativas, com que é construído o filme. Porém, a seriedade dramática que nos dá o quadro de uma época tão turbulenta sem ferir a capacidade de emocionar mostra-nos o modo sólido e ágil de uma realizadora veterana.


jef, maio 2021

«Charlatão» (Charlatan) de Agnieszka Holland. Com Ivan Trojan, Juraj Loj, Josef Trojan, Jaroslava Pokorná, Jirí Cerný, Miroslav Hanus, Ladislav Kolár, Martin Sitta, Jan Vlasák, Barbora Milotová, Milena Sajdkova, Daniela Vorácková, Matej Sumbera, Frantisek Beles, Martin Mysicka. Argumento: Marek Epstein, Martin Sulc e Jaroslav Sedlácek Produção: Sárka Cimbalová, Kevan Van Thompson, Marlene Film Production. Fotografia: Martin Strba. Música: Antoni Lazarkiewicz e Anton Dvorak. Irlanda, Polónia, República Checa e Eslováquia, 2020, Cores, 119 min.

 

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