O
percurso de Knok Knok, esse modo musical empreendido por Armando Teixeira para
se livrar das grilhetas das canções, é um caminho feliz. Um caminho agora
partilhado com o percussionista Rui Rodrigues. E utilizo a palavra “felicidade”
pois ela assume dois parâmetros essenciais que sustentam a fuga ao espartilho
férreo da “cantiga”. Eficácia e Liberdade.
Eficácia,
pois desde os temas do primeiro objecto produzido pela entidade «Knok Knok»
(2017) e os do segundo, «Gravidade» (2021), a estrutura apresentada através das
faixas do vinil “Camera” (também em digital) consolidam o propósito de
ultrapassar o padrão melódico, rítmico, talvez de duração, imposto pelo formato
cançonetista. Como se o modo Knok Knok desejasse abrir, uma a uma, as janelas
de uma sala enclausurada e lhe apresentasse agora a luz solar num espaço amplo
e livre.
Por
isso, a palavra Liberdade. Esse desafogo atmosférico a aprofundar o lado
jazzístico que sempre existiu mas, por vezes, surgia aprisionado nos dois
primeiros objectos-cassete, ante o pendor rítmico da música eléctrónica, porventura
um pouco mais dançável.
Como
gosto de arrumar os discos não pela absurda ordem alfabética-abecedária mas
pelo algoritmo da minha memória ou pela mnemónica das minhas músicas, colocaria
«Camera» junto à prateleira onde guardo com carinho os discos editados pela
etiqueta alemã ECM – Jan Garbarek, Jon Hassell, Terje Rypdal, Roscoe Mitchell,
Nils Petter Molvaer… Perdoem-me a desorientação musical!
«Camera»,
uma espécie de jazz concertante, talvez mesmo a tender para o poema sinfónico.
Os sete andamentos apresentam esse lado simbólico de evasão refractária onde as
manobras dos sintetizadores modulares de Armando Teixeira esgrimem ou provocam
as quase subliminares, embora majestáticas, arritmias da percussão e da bateria
de Rui Rodrigues. Também as contundentes vibrações da guitarra acústica de Nuno
Rebelo (“Black Monolith”) ou, pela abertura do lado B, a guitarra eléctrica de Tiago
Castro / Acid Acid, descentrando um compasso quase militar, quase demente, na
longa faixa “Escalator”.
Sem
dúvida que o álbum investiga ainda uma declarada cinefilia, unindo os lados
sonoro e visual do ecrã maior. A tentação de testemunhar os filmes no interior
dos apelidos das faixas é um extraordinário complemento apresentado por «Camera».
No
entanto, não seria tão evidente a ligação entre os lados sonoro e visual neste
vinil, caso ele não estivesse coberto pelo design e pelas obras de arte primeiras
de Paulo Romão Brás.
«Camera»
de Knok Knok é um absoluto objecto de colecção.
Oiçam-no!
Olhem-no! Agarrem-no!
(à venda na Flur, em Lisboa, ou através
de Bandcamp - https://knokknok.bandcamp.com/)
jef, março 2024