A Ilha do Tesouro, um dos lugares míticos mais reais na
imaginação do homem, cartografada num mapa fundamental que nos faz caminhar, a norte,
do Monte do Mastro da Mezena até à meridional Ilha do Esqueleto.
As aventuras que se sucedem de Bristol até à ilha do Monte do
Telescópio, superam em ritmo, ousadia, fortuna e rum as de um tal Ulisses que
levou décadas a regressar a casa. Aliás, o herói do Mediterrâneo devia pôr os
olhos na sorte, no azar e no arrojo marinheiro do miúdo Jim Hawkins que tem
tanto de temerário e voluntarioso como de inseguro e acagaçado. A mais perfeita
encarnação do «herói helénico».
Jim Hawkins tem na mão, veloz e ininterrupta, a totalidade da
narrativa. São os seus olhos que observam a espera angustiada do pirata Bill
Bones, o ignóbil ataque à pobre estalagem «Almirante Benbow», as esquivas
manobras dos corsários na escuna «Hispaniola». São os seus ouvidos que, de
dentro da barrica das maçãs, escutam a futura traição do cozinheiro Silver /
João Grande, pirata mau de uma perna só mas de múltiplas faces. (E quando sai
de cena entrega a narração ao Dr. Livesey.) É Jim que navega a embarcação até
ao abrigo seguro na baía do Norte e recupera a fundamental confiança do hirsuto
e abandonado Benjamim Gunn. Nenhum adulto, em consciência cristã e sobriedade
alcoólica, teria regressado são e salvo a Inglaterra se não estivesse sob a
protecção daquela criança que tanto se assusta quando o Capitão Filinto, o
papagaio, grita: «Peças de oito! Peças de oito!».
Se existe um livro que ensina a narrar e a descrever, é este.
Os dados estão aqui sempre lançados para que o leitor os vá agarrar e desvendar
um pouco mais à frente, sem rodriguinhos e delongas. Ninguém com viva memória
esquecerá os pântanos, as nascentes, os pinhais e os carvalhais da Ilha do
Tesouro. Por isso, são estes mais reais que todos os desenhados em outorgados
planisférios e atlas geográficos.
Pego num livro que tem na primeira página, escrito por mim, a
esferográfica, “João. Feira do Livro 1971”. Releio-o provavelmente 50 anos
depois. Jim Hawkins permanecerá eternamente miúdo. O meu coração tentará
acompanhá-lo.
jef, janeiro 2021