domingo, 28 de abril de 2019

Sobre a apresentação do # 3 de «A Morte do Artista». Biblioteca Palácio Galveias, 11 de Maio de 2019, 16h00. Lisboa.





Como dizia o outro, seja esse outro quem for, há coisas difíceis de explicar. Há quem as apelide de milagres. Ou de acasos…Tal como as camadas diversas onde se escondem a mentira, o engando, a falsidade, as fake-news. Ou a ficção, a arte, a literatura, como fugas da realidade para dela se aproximar…

Contudo, não é difícil explicar como «A Morte do Artista» chega ao seu número 3, no seu desenfreado e louco ritmo editorial. Uma por ano! Desta feita, com «A Mentira» por tema e gozo. E com tantos artistas que, na sua ficção, mentem a seu bel-prazer, afirmando o curso de uma verdade muito sua. Uma verdade que todos desejamos ser a razão comum de uma felicidade comum e partilhada.

Lídia Jorge é a nossa querida artista premiada e conta a extraordinária história de «Aurora e a Teoria da Mentira»

António Sáez-Delgado relata uma viagem sentimental em torno da fronteira ibérica e de uma devoção que é muito mais do que isso. É a afirmação sussurrada de uma verdade afectiva e literária.

Nuno Moura fala aos microfones da Voz Off. Para que nos sintamos fora do palco e entremos dentro dos próprios corações.

O artista de mãos moribundas mais asinhas, Adolfo Luxúria Canibal, entrega-nos uma fatal história de Amor sublime.

Rita Taborda Duarte mente muito e vai até ao Natal das famílias de nariz altivo, mais ou menos fartas e rubicundas, mas com o ateísmo por moral ecuménica e religião gastronómica.

Hugo Mezena escreve um texto tripartido onde a verdade se ausenta e a acção se esconde na «comunicação».

Cláudia Lucas Chéu reinventa o velho embuste matrimonial e a origem da mentira.

Pedro Dias de Almeida avança como em linha férrea ou relógio sincronizado. O Torpor. O modo rítmico, métrico, vital.

João Reis conta um conto e acrescenta um ponto ao silêncio como primeira mentira familiar. Uma Romã está no centro.

Sérgio Tavares relata-nos uma história onde o Brasil acorrenta politicamente a verdade dos cidadãos, transformando-os em resistentes e mentirosos.

O cabo-verdiano Filinto Elísio fala da Quinta Enfermaria, lugar geográfico, amplo e patriótico, de loucos e juventude. Da brincadeira, do 25 de Abril, da política e dos políticos. Da alegria. Sem vírgulas e pontos finais.

Pedro Proença enche plasticamente o #3 da revista, do fanzine, do jornal, do pasquim, com os seus desenhos virtuosos e hipnóticos de técnica abstractamente figurativa.

Por fim, os mais mentirosos, os artistas mais moribundos, reunidos: Fernanda Cunha, Manuel Halpern, Paulo Romão Brás e este que assina João Eduardo Ferreira, compõem o modo gráfico e reescrevem sobre a Mentira, o Engano, o pêndulo da hipnose, o planeta Mentior e a história de José Inácio.

E assim, mais uma vez em Maio, o mês dos malmequeres, dos milagres, das mulheres e dos homens, «A Morte do Artista» #3 será lançada aos quatro ventos, na Biblioteca do Palácio Galveias, em Lisboa, no dia 11 de Maio, pelas 16h00. Haverá drama, convívio, refrescos e bolinhos.

Apareçam!

jef, abril 2019

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Sobre o filme «Anoitecer» de Laszló Nemes, 2018















László Nemes utiliza em «Anoitecer» o mesmo grau estético de «O Filho de Saúl» (2015). A jovem protagonista Irisz Leiter (Susanne Wuest) é perseguida de perto, muito perto, pela câmara, e nós, espectadores, vamos correndo atrás desta. Estamos tão perto dela que tudo surge desfocado, quase alienado, e as vozes em diálogo tomam a parte de leão da história.

No início do século XX, a chapeleira Irisz Leiter regressa a Budapeste para recuperar o passado, a família, o estatuto da famosa casa de chapéus Leiter, recuperada após um incêndio onde morreram os seus pais. O que ela busca, afinal, também nós andamos a buscar entre as vozes e o burburinho cosmopolita da cidade, uma das capitais do Império.

Obviamente, o que o realizador pretende através da perplexidade, ansiedade e entrega extenuada da actriz Susanne Wuest é o limiar da convulsão política, social e cultural, que está na origem da I Grande Guerra. Tudo o que é incompreensível para Irisz Leiter torna-se incompreensível para nós. A névoa quente que envolve Budapeste e os seus arredores numa espécie de nevoeiro amarelado nada nos esclarece. Apenas vislumbramos a premência da revolução, a ânsia juvenil por derrubar uma aristocracia burguesa e decadente em fim de linha.

O olhar sofrido, embora profundamente motivado pela curiosidade, da protagonista é, sem dúvida, o melhor do filme, para além da banda sonora claro! Contudo, o exagero do close-up, da proximidade da câmara colada à bela nuca da actriz, torna-se um exagero quase entediante. Valha-nos as peripécias algo rocambolescas da intriga que nos agarram ao inexplicado e à premência da intriga.

jef, abril 2019
                                                                      
«Anoitecer» (Napszállta) de Laszló Nemes. Com Susanne Wuest, Vlad Ivanov, Urs Rechn, Juli Jakab, Evelin Dobos. Hungria / França, 2018, Cores, 142 min.

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Sobre o filme «Diamantino» de Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt, 2018

















Existe em «Diamantino» uma tocante e ingénua espontaneidade em desejar fazer comédia com coisas sérias, em mexer em assuntos que, na cultura nacional, diria mesmo na moral nacional, não é muito frequente e até costuma ser olhada com bastante desconfiança, senão atávica repulsa.

Cristiano Ronaldo, a pronúncia madeirense, o vernáculo desabrido, a crise dos refugiados, a clonagem e manipulação genéticas, o populismo de direita, a história de Portugal, o muro entre países, a televisão, o futebol, o amor pelos animaizinhos, a riqueza, a pobreza... Tudo está dentro deste filme de apenas 96 minutos, sem beliscar eticamente os assunto que parodia.

«Diamantino» tem uma grande qualidade. Sabe usar o tempo das cenas rápidas, utiliza-o muito eficazmente, misturando todas as componentes cinematográficas, toda a panóplia digital possível. Chega a ser um pouco alucinante o modo como as diversas cenas surgem aos olhos do espectador, moldadas por uma excepcionalmente bem cuidada banda sonora.

Não interessa se existem duas Anabela / Margarida  Moreiras a fazer das maléficas manas gémeas de Diamantino. Diamantino (Carloto Cotta) é um inocente e terno menino nas mãos de um exército de Maléficas e Cruellas de Vil. Um mundo infantil e crente em coboiadas de ficção científica entregues a um Walt Disney a quem deram um ligeiro ácido ou uma meia linha de cocaína.

Se existem coisas incompreensíveis não há problema, a intenção é que conta.

Não me fez rir mas entreteve!

jef, janeiro 2019

«Diamantino» de Gabriel Abrantes, Daniel Schmidt. Com Carloto Cotta, Cleo Tavares, Anabela Moreira, Margarida Moreira, Carla Maciel, Filipe Vargas, Manuela Moura Guedes, Joana Barrios e Maria Leite. Portugal, 2018, Cores, 96 min.

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Aquele homem















Aquele homem caminha para trás.
Com vigor
sem temer
nada o detém
ninguém o demove.
Vai feliz, impante.
Sente-se retrovisor.
Não tem caminhos pela frente
nem obstáculos.
Apenas um passado para a memória refazer.
Nem dá por nós.
E nós com ele
caminhamos para a frente
invejamos-lhe a convicção
também a destreza atlética.
Adorável!
Cruzadas as estratégias
somando velocidades
olhámos para ele de raspão.
Ele não nos viu. Confirmado.
Parece até que o conhecemos de algum lado.
Pouco importa
quando a direcção é a mesma.
Os sentidos contrários no mesmo sentido
é que interessam.

jef, abril 2019

«Le modèle rouge», René Magritte, 1935