Natureza
aprisionada. No início, Bailey (Nykiya Adams) observa as aves através das
grades de uma passagem para peões. Ela filma com o telemóvel tudo o que voa,
gaivotas, moscas, borboletas. Depois projecta as imagens na parede riscada da
sua espécie de quarto. É a sua liberdade solitária. Do outro lado da cortina,
dorme o irmão, Hunter (Jason Buda). Mais à frente o pai, Bug (Barry Keoghan)
com a sua noiva. Bug tem uma espécie de oportunidade de negócio com a aquisição
de um sapo alucinogénio que baba quando ouve Coldplay.
Baley
representa o ponto de fuga, adulto e responsável, também as linhas de
convergência num horizonte tão inóspito quanto libertário. A câmara corre
desesperadamente atrás da história e dos movimentos das personagens até estacionar
frente à indómita perseverança de Baley. Aí parece que a respiração se sustém para
poder observar os animais e observar-nos.
Bird
(Franz Rogowski) aparece do nada num campo em pousio onde os cavalos pastam. Também
ele desaparecerá na vacuidade do tempo, feito anjo da guarda. Ele apenas tenta
descobrir uma certa origem desaparecida. Exactamente o oposto do que se passa
com Baley, que vive rodeada de camadas sobrepostas de família, conhecidos, desconhecidos.
Por isso, Bird e Baley se reconhecem e se amarão. Apesar de tudo, é essa a palavra
certíssima a ser utilizada.
Por
fim, a conclusão parece tender para a inconclusão, ou antes, para a destruição violenta
final. Contudo, o que acharíamos ser um filme realista sobre a Inglaterra frugal
e fatal em jeito de Ken Loach ou Mike Leigh, termina como uma fantasia
(epifania) necessária para que a unidade cósmica tenha o seu ponto de fuga e a
esperança na reunião familiar, as respectivas linhas de convergência!
Por
tudo isso, enquanto o genérico final vai correndo sem explicações ou categorias
de participação, em cada canto do bairro todos cantam (pelos Blur): “it really,
really, really could happen” (‘The Universal’)
jef,
maio 2025
«Bird» de Andrea Arnold. Com Nykiya Adams, Franz Rogowski, Barry Keoghan, Jason Buda, Frankie Box, Jasmine Jobson, James Nelson-Joyce, Jason Williamson, Sarah Beth Harber, Rhys Yates, Joanne Matthews, Kirsty J. Curtis, Calum Speed, Andrew Richard Bryant. Argumento: Andrea Arnold. Produção: Lee Groombridge, Juliette Howell, Tessa Ross. Fotografia: Robbie Ryan. Música: Burial. Guarda-roupa: Alex Bovaird. Grã-Bretanha / Dinamarca / França /EUA, 2024, Cores, 119 min.