Jim Jarmusch do outro lado do espelho.
Este filme é mais sobre a inocência do que sobre a morte.
William Blake (Johnny Depp) perde os pais e a namorada e
viaja até aos confins do mundo americano com uma carta de emprego para
contabilista numa metalúrgica. Não sabe para o que vai, está inocente. Porém, ultrapassa o faroeste e entre numa zona
onde a morte certa é mais um símbolo que um alerta. Em defesa própria, mata Charlie
Dickinson (Gabriel Byrne), filho do dono da metalúrgica John Dickinson (Robert
Mitchum), e passa a ter a cabeça a prémio. Foge de si próprio, é ferido, entra
num mundo mais sonhado que desejado, pelo meio de desfiladeiros desertos e sequoias gigantes. Encontra Ninguém, uma espécie de Ulisses que entende o lado vital da
morte mas não compreende nada do que ele diz. Um índio que confunde William Blake com o espírito do poeta inglês, tirando-lhe
os óculos para que possa ver melhor o caminho do outro lado da superfície do espelho. E prepara-o para fazer a travessia até ao lado de
lá do oceano.
Não existe filme mais belo e poético (também mais cómico) sobre os actos de morrer e de matar. Não sei bem como explicar mas há aqui qualquer coisa que me lembra uma espécie de literatura gráfica, as oníricas trevas de «A Sombra do Caçador» (Charles Laughton, 1955).
Viva Johnny Depp! Viva a música de Neil Young! Viva a
fotografia de Robby Müller!
Viva o endiabrado espírito de Jim Jarmusch que não consegue fazer um filme igual ao outro, colocando sempre o bondoso braço sobre o ombro cinematográfico dos cândidos personagens!
jef, dezembro 2020
«Homem Morto» (Dead Man) de Jim
Jarmusch. Com Johnny Depp, Gary Farmer, Robert Mitchum, John Hurt, Crispin
Glover, Iggy Pop, Gabriel Byrne, Lance Henriksen, Michael Wincott, Eugene Byrd,
Jared Harris, Mili Avital, Jimmie Ray Weeks, Mark Bringelson, John North, Peter
Schrum. Argumento: Jim
Jarmusch. Fotografia: Robby Müller. Música: Neil Young. Produção:
Karen Koch, Demetra J. MacBride. EUA, 1996, P/B, 116 min.