Bella Ciao!
Este é um filme belo e importante. Mesmo muito belo e muito importante. Defende uma causa, infelizmente ainda universal e cada vez mais
actual. Um filme contra a hedionda pena de morte que sublinha a objecção de
consciência por parte de quem a tem de executar. Ganhou o urso de ouro no
Festival de Berlim e levou o seu realizador Mohammad Rasoulof à prisão e à
proibição de realizar filmes por propaganda contra o regime iraniano.
O mais interessante é o facto das quatro histórias,
independente entre si, conjugarem-se, interligando-se moralmente não pela
perspectiva do executado mas do executante e da possibilidade de recusa por
parte deste. As histórias vão apontando o dedo à ignomínia de modo cada vez
mais profundo perante a falta de ética daquele acto bárbaro. A primeira história conta
a vida simples e honesta, o modo pacato, respeitador, inocente de um carrasco.
A segunda acelera e coloca a questão do crime institucionalizado por norma
legal, descriminalizando o criminoso, terminando com uma fuga da prisão e uma
cancão: Bella Ciao! A terceira vai derrotar o encantamento de um noivado pela brutal
consciência de um crime “involuntário”, na execução de um ser amado e inocente.
A quarta conclui o ciclo inteiro de uma vida escondida e adulterada por uma evasão
que evitou o perpetrar da execução. A confissão do facto, no final da vida,
destrói as ligações e impossibilita o amor entre gerações.
O realizador junta-se a Jafar Panahi e a outros realizadores impedidos
de filmar por crime de rebeldia contra o Estado de um país com uma cultura e uma
cinematografia fulgurantes. E apesar de não conter o brilho narrativo de Abbas Kiarostami,
todas as quatro histórias são inscritas numa beleza emocional quase dorida,
incontida pela linha narrativa livre e ágil que nos faz recordar as histórias
maravilhosas com que a antiga Pérsia nos vem encantando até aos dias de
hoje.
jef, dezembro 2020
«O Mal Não Existe» (There Is No Evil) de Mohammad Rasoulof. Com
Ehsan Mirhosseini, Shaghayegh Shourian, Kaveh Ahangar, Mahtab Servati, Baran
Rasoulof. Argumento: Mohammad Rasoulof. Fotografia: Ashkan Ashkani. Música: Amir
Molookpour. Produção: Farzad Pak, Mohammad Rasoulof, Kaveh Farnam, Farzad Pak. Irão / Alemanha / República Checa, 2020,
Cores, 151 min.
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