Ethan Allen Hawley vive em New Baytown. É descendente de
orgulhosos caçadores de baleias e piratas aristocráticos. Acompanhamo-lo da
Páscoa até ao Dia da Independência. Possui na vitrine um talismã dado pela tia
Deborah e ao lado, numa pata de elefante, a bengala feita de dente de narval
vinda do avô marinheiro. Traz na memória o ancestral incêndio no navio Belle Adair e a perda pelo pai da
propriedade da mercearia onde agora trabalha como empregado. Tem uma
encantadora esposa, a amorosa e confiante Mary, e dois filhos tão comuns quanto
adolescentes: Ellen e Allen.
E sobre o livro nada mais pode ser dito sem estragar a sua capacidade
“cinematográfica” de manietar o leitor numa rede secreta (mas trágica) que nos
faz acarinhar as doces personagens para, logo de seguida, lhes entregar a
suspeita da vingança e da desiludida resignação.
Certamente New Baytown ainda hoje existe, mas sem poder
ostentar essa falsa mas literária ingenuidade que agora é dissecada até ao osso
pelas redes sociais. Certamente, também hoje, ainda permanecerá essa crença
profunda numa “América pura” (e hipócrita) mesmo que a verdade sobre a sua “impureza”
esteja exposta aos quatro ventos.
O poder dos diálogos em descrever e narrar o que não está
dito (nem olhado), de acicatar o crescente estado de inquietude romântica
provocado pela sua leitura, lançam-nos num suspense quase policial, intimista e
psicótico, a lembrar a inquietação sarcástica de Hitchcock ou Highsmith.
Um romance que se lê com a mesma cativante premência que nos é
imposta pela sorridente crueldade de «Alice no País das Maravilhas».
jef, dezembro 2020
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