quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Sobre o filme «Chama-me pelo Teu Nome» de Luca Guadagnino, 2017

















O que mais encanta no filme é um certo romantismo desprendido, sem dogmas e explicações, perseguições ou represálias, sobre um amor primeiro que, teria tudo para ser «proibido». Mas não é. Nem sequer tem lições moralizantes ou tragédias mórbidas. Apenas o seu fim, natural. Tudo corre através das indolentes paisagens do Norte de Itália, ao som das canções de Sufjan Stevens («The Mistery of Love»,«Visions of Gideon», «Call Me By Your Name»).

1983. Durante umas tranquilas férias, Elio (Timothée Chalamet) aproxima-se de Oliver (Armie Hammer), académico americano que chega por umas semanas para ajudar as pesquisas arqueológicas do pai de Elio (Michael Stuhlbarg). Elio tem 17 anos, Oliver, 24.

Como em todas as férias grandes de Verão pouco se passa e essa tranquila inactividade vai sendo tomada pela paixão, algo velada, sustentada mais por mal entendidos ou displicente distracção, do que por requebros de amor. No início.

O actor Timothée Chalamet faz o pleno, num papel de estrutura dramática complexa. Aparece suave mas determinado, impaciente mas firme, sobranceiro mas ingénuo, dentro de cenas consecutivas de jardins vislumbrados, portas entreabertas, janela discretas. Talvez o romance de André Aciman ou o argumento de James Ivory  - «Quarto com Vista sobre a Cidade» (1986) ou «Regresso a Howards End» (1992) - , confira ao filme a aura de ‘romantismo renascentista’. E, claro, a fotografia de Sayombhu Mukdeeprom…

Contudo, a meio, o filme vai-se perdendo em cenas e pequenos episódios que vão confundido a emotividade das personagens, certamente arrastadas por Armie Hammer, um Oliver muito belo mas um tanto inexpressivo, sem pulso para acompanhar Timothée Chalamet, afastando-se assim da expressividade da estatuária greco-latina cujas imagens surgem no ecrã.

Felizmente que as personagens do pai e da mãe de Elio (Michael Stuhlbarg e Amira Casar) vão crescendo ao longo do filme, acompanhando a história e o actor principal. Corrijo o primeiro parágrafo. O discurso que o pai faz ao filho é mesmo uma lição moral e conclui o filme de modo brilhante. E ainda temos Esther Garrel, a namoradinha de Elio, Marzia.

Um belo e terno filme para confirmar que a memória da primeira paixão deve ser guardada, não como trauma pelo seu termo, mas com a alegria de ter sido vivida.

jef, janeiro 2018


«Chama-me pelo Teu Nome» (Call Me by Your Name) de Luca Guadagnino. Com Armie Hammer, Timothée Chalamet, Michael Stuhlbarg, Amira Casar, Esther Garrel, Victoire Du Bois. Fotografia: Sayombhu Mukdeeprom. Segundo o romance de André Aciman. Canção de Sufjan Stevens. EUA/ Brasil / Itália / França, 2017, Cores, 132 min.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Sobre o filme «The Post» de Steven Spielberg, 2017















É por filmes como este que a América poderá ser grande, não é decididamente com Donald Trump, contra o qual Steven Spielberg terá realizado este filme.

Na guerra que o actual presidente dos Estados Unidos da América lançou contra os jornais e os jornalistas, revemos as decisões encarnadas por Katharine Graham (Meryl Streep) e Ben Bradlee (Tom Hanks), proprietária e director do jornal ‘The Washington Post’, quando ponderaram a publicação de um grande relatório do Pentágono que punha em causa a participação americana na guerra do Vietname. Um relatório sacado por Daniel Ellsberg (Matthew Rhys), funcionário daquela instituição. O pré- Watergate.

Não será um grande filme de Spielberg mas é, sem qualquer dúvida, um filme rápido (ou telefilme) de Spielberg! O modo como faz o filme girar em torno maravilhosa Meryl Streep quase faz de «The Post» um filme brilhantemente feminista.

A deferência sobre a imposição da verdade, o esclarecimento do público, a vontade democrática do confronto de ideias, finanças e economias, a defesa incondicional do jornalismo, é emocionante e concentra-se nas derradeiras cenas, de enorme suspense, onde Katharine Graham e Ben Bradlee, cada um na sua própria casa, uma rodeada de investidores financeiros, o outro, de jornalistas, decidem ao telefone pela publicação dos dados, apesar da muito provável represália judicial.

Pena que os espaços interiores enclausurados não dêem mão a Spielberg para os seus habituais voos paisagísticos, pena a pressa com que é contado o início da história, pena o ricto de Tom Hanks, invariável, sempre de queixada cerrada, tentando mimar talvez o verdadeiro Ben Bradlee.

São estes, no entanto, pequenos defeitos para um filme de combate necessário.

E,claro, a música é de John Williams!

jef, janeiro 2018

«The Post» de Steven Spielberg. Com Meryl Streep, Tom Hanks, Sarah Paulson, Bob Odenkirk, Tracy Letts, Bradley Whitford, Bruce Greenwood, Carrie Coon, Matthew Rhys. EUA, 2017, Cores, 115 min.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Sobre o filme «O Garoto de Charlot» de Charlie Chapin, 1921














Este filme é um dos mais belos filmes de Charlie Chaplin. É um filme de mudança, de reorganização do cansaço da sua criatividade. É um filme de estudo. Uma curta-metragem que é também uma longa-metragem. Trata-se da sublimação do seu passado trágico e da catarse de uma recente tragédia. A morte do filho recém-nascido, filho da muito jovem e fugaz esposa, a actriz Mildred Harris, em 1919.

«O pecado da maternidade».
As palavras surgem após a epígrafe temática:
«Uma comédia com um sorriso e, talvez, uma lágrima».

A mãe (Edna Purviance) sai do hospício com um recém-nascido nos braços. Está desesperada e acaba por deixá-lo no banco de um luxuoso automóvel estacionado num bairro de ricos. A criança traz uma nota manuscrita entre as roupas: «Quem a encontrar, ame-a e cuide bem dela.»

O automóvel é roubado e a criança colocada no lixo pelos ladrões numa esquina do bairro paupérrimo onde vive Charlot. Ele sai de casa, escapa por um triz a um monte de entulho lançado por uma janela. Encontra o bebé e suspeita que tenha sido atirado também pela janela. Tenta deixá-lo perto de alguma mãe. Não consegue. Finalmente, adopta-a!

Ou antes, é The Kid (Jackie Coogan) que adopta Charlot e passa a protegê-lo e a educá-lo através de uma sucessão extraordinária de cenas cómicas. As peripécias sucedem-se até que Charlot, triste e desamparado, adormece sozinho à porta de sua pobre casa. Então, sonha que o bairro é o Paraíso cheio de anjos. Mas o paraíso é também nefasto e os anjos viciosos.

É acordado por um polícia que o agarra e o leva para a esquadra…
O resto, sabemos nós.

«O Garoto de Charlot» é um filme triste e terno, comovente, cómico, romântico e realista, sobre a ideia falsa de que a infância encerra, por norma, a alegria e a felicidade. Um filme sobre a infância que fica guardada na vida adulta. Um dos filmes mais firmemente sociais criados pela extraordinária figura do maior palhaço do mundo.

jef, janeiro 2018
                                                                      
«O Garoto de Charlot» (The Kid) de Charlie Chapin. Com Charles Chaplin, Edna Purviance, Jackie Coogan, Carl Miller, Baby Hahaway, May White, Tom Wilson, Henry Bergman. EUA, 1921, P/B, Mudo, 68 min.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Sobre o filme «Uma Mulher Não Chora» de Akin Fatih, 2017
















O propósito do filme de Fatih Akin é claramente político.

Em Berlim, um ex-traficante de droga Nuri Sekerci (Numan Acar) cumpre a pena devida, reintegra-se na sociedade, casa-se com Katja (Diane Kruger) e é pai exemplar de um menino. Até que um dia, uma bomba colocada perto no local de trabalho mata pai e filho.
No final, como epílogo, surge um esclarecimento sobre o número de vítimas mortais que uma determinada organização nazi já provocou na Alemanha.

O filme é realizado na totalidade em torno de Diane Kruger que constrói maravilhosamente Katjia, aquela que carrega a cruz do sofrimento horrível, da injustiça judicial, da suspeição constante, da vingança final. Diane Kruger faz eclipsar o filme sob o seu olhar torturado, captado sem filtro ou atenuante estética, tornando o espaço sempre claustrofóbico mesmo na grande sala de audiência.

A expressividade da actriz é única e dá à narrativa a tonalidade plástica que só algumas mulheres conseguem. Dir-se-ia «glamour» ou «sex appeal», não fosse um filme tão justo contra a ignomínia xenófoba, contra o horror do nazismo contemporâneo.

Porém, existe uma ânsia no filme em explicar tudo e terminar todas as pontas narrativas que coloca a personagem Katja numas certas bolandas apressadas que poderiam ser evitadas para melhor oferecer ao espectador a dor de tão terrível mas tão actual crime.

Resumindo, «Uma Mulher Não Chora» é um óptimo filme de acção que deve ser visto por todas as razões. Claro, também pela mais bela Diane Kruger.

jef, janeiro 2018

«Uma Mulher Não Chora» (Aus Dem Nichts / In The Fade) de Fatih Akin. Com Diane Kruger, Denis Moschitto, Numan Acar, Samia Muriel Chancrin, Johannes Krisch , Ulrich Brandhoff. França / Alemanha, Cores, 106 min.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Sobre o filme «Canções do Segundo Andar» de Roy Andersson, 2000



















É um filme sobre a condição do trabalho e como a degradação deste ou, em última análise, a sua ausência abrupta pode fazer derrapar o ser humano até ao desespero insano.

De César Valejjo (1892-1938) vem a epígrafe, mil vezes ouvida:

«Amado seja o que se senta».

Pode haver quem se ria (e este filme tem um humor tácito que cruza Bergman com Fellini ou Tati ou Monty Python) mas esse ficará pálido depois. Como os personagens, desfeitos, de cara empoada, olhos vermelhos, feridos, a um passo do sacrifício humano, da venda de Cristo Crucificado, por grosso ou a retalho. Talvez seja melhor imolar uma criança por outra. 

Este filme é sobre a Cidade metafórica onde os penitentes do quotidiano tentam sobreviver com aflição moral e muita dor física. Quem se dedica à poesia enlouquece, e se alguém se dedica ao trabalho, perde-o. O trânsito está péssimo e quem leva a vida a tentar colocar comida na mesa e a divertir-se um pouco, é melhor pensar duas vezes. Pode sentir-se dentro do resignado mas potencialmente lutador Coro dos Escravos Hebreus, se viajar de metro. Pode incendiar o local de trabalho. Mas perde sempre.

Nós, os espectadores, podemos sorrir, rir até, sentirmo-nos perdidos dentro do absurdo da cidade e da dor mas não devemos esquecer que estamos sempre face a duas narrativas em simultâneo. No cinema de Roy Andersson como na vida.

A não esquecer, igualmente, o tema musical entre o modo barroco e o modo popular de Benny Andersson.

jef, janeiro 2018.

«Canções do Segundo Andar» (Songs From The Second Floor / Sånger från andra våningen) de Roy Andersson. Com Bengt C.W. Carlsson, Lars Nordh, Stefan Larsson, Torbjörn Fahlström, Rolando Núñez. Fotografia: István Borbás;

Jesper Klevenås; Música: Benny Andersson. Suécia, 2000, Cores, 98 min.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Dia de pescaria











Dia de pescaria.

Reverter o senso na direcção do inverso.
Converter a razão na propriedade apaixonada do reverso.
Depois, fixar o olhar na imagem virtual da floresta
Reflectida na superfície espelhada da lagoa
Em dia de calmaria.

jef, janeiro de 2018

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Sobre o filme «A Partir de Uma História Verdadeira» de Roman Polanski, 2017















Aos 84 anos, Roman Polanski continua a manobrar como ninguém o mundo da intriga, do terror interior e psicológico. O Mundo da identidade roubada. Um mundo narrativo que é apenas seu.

O filme parte de uma premissa que, em ficção, é um velho truque. O próprio título do romance de Delphine de Vigan (prémio Renaudot), o furto da realidade e depois fingir que ela é fantasia romanesca e literária.

A função de escrever como epílogo de um filme “a partir de uma história verdadeira” é dizer que, afinal, a ficção que estamos a assistir é, ou foi, a realidade. Coisa falsa pois a interpretação de uma história é logo uma narrativa ficcionada e paralela.

(Para que não me batam muito, salve-se a função democrática do Jornalismo e a função científica da História.)

Mas o cinema de Polanski consegue colocar a ficção dentro da realidade e esta dentro de um verdadeiro «thriller» à antiga. Uma insuspeita leitora de nome enigmático, Elle (Eva Green), insinua-se como admiradora perante Delphine (Emmanuelle Seigner), escritora famosa, assoberbada de trabalho, fãs e dedicatórias, à beira do esgotamento e da crise criativa. Torna-se sua amiga e protectora, e vai começando a dirigir demasiado de perto os seus passos. Até que Delphine parte uma perna… (Note-se que na capa da edição original do romance, a fotografia da própria autora surge como personagem, roubando-lhe até o próprio nome).

Mas Polanski faz mais. Dá-nos a oportunidade de olharmos muito de perto duas actrizes em interpretações sublimes, levando o espectador logo no início, de modo tão simples, quase infante, a saber que estamos perante algo que poderá correr mesmo muito mal. Eva Green faz de Maléfica, Emmanuelle Seigner, de Bela Adormecida. Contudo, seguimos cada minuto do filme com ansiedade e medo. (A cena da escada para a cave é perfeita!)

Roman Polanski é um grande mestre do suspense. Emmanuelle Seigner e Eva Green são maravilhosas.

jef, janeiro 2018.


«A Partir de Uma História Verdadeira» (D'après une Histoire Vraie) de Roman Polanski. Com Emmanuelle Seigner, Eva Green, Vincent Perez. A partir do romance de Delphine de Vigan, com argumento de Roman Polanski e Olivier Assayas. Polónia / França / Bélgica, 2017, Cores, 100 min.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Sobre o filme «Três Cartazes à Beira da Estrada» de Martin McDonagh, 2017















O grande trunfo deste filme é talvez o que o torna mais vulnerável. Enfim, incoerências de um espectador baralhado.

Ou seja, a alta comédia de contornos trágicos mede-se pela categoria dos diálogos que fazem de um western negro um grande painel de personagens à beira da desgraça e da gargalhada, com uma bela colherada de leite com cereais atirada ao cabelo do filho, órfão de irmã, lembrando a sátira do cinema mudo das tartes lançadas à cara do mauzão. Aqui não há figuras más nem figuras boas. Não há figuras sérias. Há figuras do teatro, mas do teatro verdadeiro. Todas se vão transformando em potenciais salvadores do mundo ou em «desgraçadores» da pequena comunidade de Ebbing, Missouri. E como nos melhores filmes americanos, aqui se fala das questões importantes que preocupam a América (e o Mundo), e que fornece um belo fim de tarde no cinema.

William Willoughby (Woody Harrelson), o ineficaz chefe da Polícia que devia andar a atrás dos violadores assassinos de adolescentes, afinal,  é o melhor pai de família e escreve cartas póstumas com arte e estilo salvando moralmente Mildred Hayes (Frances McDormand), a mãe atormentada e potencial assassina de potenciais violadores que, depois, se junta a Jason Dixon (Sam Rockwell), o mais estúpido e racista polícia de Ebbing que, afinal, se torna no ultra eficiente investigador forense mas que, no final, não obtém lá grande sucesso.

O melhor do filme é essa coerência trágica dentro da comédia e esta encerrada em diálogos constantes e loucos ajudando um argumento que, de tantas reviravoltas, permite que o enorme actor secundário, Sam Rockwell, se torne no actor principal, revelando ainda mais e por reflexo a grandiosidade expressiva de Frances McDormand.

Contudo, o dever (humorístico) do argumento de todas as pontas soltas (e são muitas) terem de bater certo antes do «the end» faz com que se dilua alguma chama dramática, alguma tensão de «palco». 

E, por belos argumentos matreiros e definitivos, enfim coboiadas geniais, vou rever «O Homem que Matou Liberty Valance» do John Ford, 1962.

jef, janeiro 2018.

«Três Cartazes à Beira da Estrada» (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri) de Martin McDonagh. Com Frances McDormand, Woody Harrelson, Sam Rockwell, Woody Harrelson, Abbie Cornish, Lucas Hedges, Peter Dinklage. Grã-Bretanha / EUA, 2017, Cores, 115 min.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Sentido










Se da pérola extraímos o tacto
Da luz silenciamos o grito
Esse teu senso, esse meu olfacto
Que da pele observa, em espírito


jef, 11 de janeiro de 2018

(Full Fathom Five, Jackson Pollock, 1947)

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Sobre o filme «O Meu Belo Sol Interior» de Claire Denis, 2017















Reduzir o discurso amoroso ao ponto de lhe retirar até a centelha de ridicularia a que tem direito, como Pessoa sublinhou, banalizando-o durante hora e meia, é também retirar-lhe o senso, o pathos, a sinceridade do sentimento, a própria filosofia. Venham as palavras de onde vierem.

Claire Denis tem na mão uma das melhores actrizes do mundo (das mais belas também) e coloca-a, logo de início, sob o fogo dessa tal banalidade, numa cena de sexo, atroz, inestética, longa demais, como todas as que lhe seguem. E para quê expor Juliette Binoche a tão degradantes cenas, sob um guarda-roupa tão desajustado, em que nunca se observa o centro do cenário ou se justifica o campo-contra-campo?

Pouco depois, surge outra cena feíssima. A do bar. A seguir vêm mais, umas a seguir às outras, até culminar com a do cartomante, um Gérard Depardieu caído do nada, ou saído do automóvel de Valeria Bruni Tedeschi, mas que salva o genérico final falando intensamente sobre nada. Reserve o espectador pois o contracenar desses dois grandes actores!

Recorde-se ainda a cena na casa de banho onde Juliette Binoche faz o impossível para revelar o seu génio. E revela!

Para mim, Juliette Bonoche será sempre a Juliette Binoche de, por exemplo,  Abbas Kiarostami («Cópia Certificada», 2010, « «Shirin», 2008) ou de Michael Haneke («Nada a Esconder», 2005), e procurarei esquecer a fealdade deste filme! O cinema deve procurar, antes demais, o sentido da beleza!

jef, janeiro 2018.

«O Meu Belo Sol Interior» (Un Beau Soleil Intérieur) de Claire Denis. Com Juliette Binoche, Xavier Beauvois, Philippe Katerine, Josiane Balasko, Valeria Bruni Tedeschi, Gérard Depardieu. Bélgica / França, 2017, Cores, 94 min.


terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Sobre o filme «Suburbicon» de George Clooney, 2017














Existe qualquer coisa de acrílico em «Suburbicon». E não é certamente a função genética da cultura americana em fazer arte com a autocrítica aos seus próprios traumas. Neste caso, estão de volta os terríveis anos 50!

George Clooney adapta (com Grant Heslov) um argumento perdido de Joel e Ethan Coen e filma muito bem, construindo uma história estilizada entre o policial negro e a alta comédia «gore», cheia de sangue e mortos.

Tomamos logo o pulso à paródia no magnífico genérico inicial onde a publicidade aos benefícios de viver nos subúrbios, com espaços ajardinados e repletos de belos automóveis «vintage», infra-estruturas sociais e absolutamente livre de crises sociais e estudantis. Vem depois um diálogo estranho entre as duas irmãs gémeas interpretadas pela dupla (e belíssima) Julianne Moore. A coisa descamba com a instalação da urbanização do primeiro casal negro. O caldo entorna com um pacífico e inexplicado assalto a casa dos Lodge. O resto é irmãos Coen numa sucessão de reviravoltas para que toda a família saia derrotada e a «higiénica» América do pós-grande-guerra-pré-guerra-fria seja sublimada.

O cenário, o guarda-roupa e os adereços são magníficos mas nunca deixam de ser o cenário de plástico onde Matt Damon e Julianne Moore abusam do estereótipo a que (bem) nos habituaram. Como em «The Truman Show - A Vida em Directo» (1998) ou «Eduardo Mãos de Tesoura» (1990) mas sem a indispensável fantasia de Peter Weir ou Tim Burton.

Contudo, o centro da narrativa está nos olhos do pequeno Nicky (Noah Jupe) que, de um modo assombroso, faz unir o filme do princípio ao fim, retirando-lhe a película de celofane e aplicando a luz do inusitado drama cómico.

E ainda temos o fantástico pesquisador de fraudes em seguros, interpretado por um inesquecível Oscar Isaac (outro dos amigos de  Clooney  / Coen).

E a música (Atenção!, neste filme a música é indispensável!!) do grande Alexandre Desplat.

Assim, vá lá!, desculpem Matt Damon, Julianne Moore, George Clooney, os irmãos Coen. Coloquem os acrílicos da Tupperware Brands Corporation na nova máquina de lavar loiça e vão ver o filme.

E já agora, uma dúvida. Na época já havia comandos para o televisor?

jef, janeiro 2018.

«Suburbicon» de George Clooney. Com Matt Damon, Julianne Moore, Oscar Isaac, Glenn Fleshler, Megan Ferguson, Noah Jupe, Karimah Westbrook. Argumento: Joel e Ethan Coen / George Clooney / Grant Heslov. Fotografia: Robert Elswit; Música: Alexandre Desplat. Grã-Bretanha / EUA, 2017, Cores, 105 min.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Sobre o filme «Contratei um Assassino» de Aki Kaurismäki, 1990

















Neste curto filme fuma-se e bebe-se muito. Os sorrisos são sintomáticos, ligeiros e parcos, pontuando por vezes as cenas de paixão. As marcações de cena são tensas, as frases ditas, entrecortadas por silêncios dramáticos. Os cenários são verdadeiros cenários, a um passo de se desmoronar. Nada parece real mas tudo é verdadeiro. Marca indelével do realizador, assim como a sua comédia. Trágica e inteligente. Elegante.

Henri Boulanger (Jean-Pierre Léaud) é francês em Londres e, por isso, é mais facilmente despedido. Tenta o suicídio mas não é eficaz. Contrata alguém. Porém, enquanto o aguarda, enamora-se por uma vendedeira nocturna de rosas, Margaret (Margi Clarke). E o amor salva-los-á.

Como se Kaurismäki convocasse Bartleby (Melville) e o cruzasse com Buster (Keaton) e, depois, o entregasse aos movimentos cronométricos de Bausch (Pina) e às palavras sopesadas de Beckett (Samuel).

Entretanto, ficamos a ouvir «Afro-Cuban Be Bop» de Joe Strummer and The Astro-Physicians.

jef, janeiro 2018


«Contratei um Assassino» (I Hired a Contract Killer) de Aki Kaurismäki. Com Jean-Pierre Léaud, Margi Clarke, Kenneth Colley, Angela Wals, Nicky Tesco, Charles Cork, Michael O’Hagan, Walter Sparrow, Joe Strummer, Serge Reggeanni. Finlândia / Grã-Bretanha / Alemanha / Suécia, 1990, Cores, 76 min.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Sobre o filme «O Amante de Um Dia» de Philippe Garrel, 2017















O exercício que Philippe Garrel faz com este filme é um exercício de simplificação. Um exercício que tem vindo a aprofundar e que ficou muito explícito em «À Sombra das Mulheres» (2015) ou «Ciúme» (2013).

Gilles (Éric Caravaca) é professor de filosofia e namora há pouco tempo com Ariane (Louise Chevillotte), sua aluna. Uma noite, bate à porta a filha Jeanne (Esther Garrel) que, sem saber muito bem como, saiu com a mala de casa do namorado. Ariane e Jeanne têm 23 anos.

A fotografia é a preto e branco (Renato Berta) e, delicadamente, mostra espaços enclausurados, paredes riscadas, escadas velhas, estantes atravancadas. Ruas vazias. Uma janela aberta, uma tentativa de suicídio. Talvez seja o primeiro segredo a unir um trio que nunca se abandona mas que vai ficando entre aquilo que não vê mas o espectador observa. Até que o olhar de Gilles se sobrepõe ao do espectador.

Se algo fica por esclarecer, uma bela voz-off retira a dúvida. O genérico só aparece na sequência das primeiras cenas. Também o tema musical (Jean-Louis Aubert). A cumplicidade deve manter-se mesmo que as personagens se afastem. E a vida prossegue. Como um jogo sem muito sentido aparente. Philippe Garrel torna o espectador cúmplice dos jogadores que não permitem qualquer maldade, apenas seguem os trâmites da vida e do amor.

E o amor é demasiado simples para ser explicado pela filosofia. Assim começa, assim termina. Assim também pode recomeçar.

jef, janeiro 2018.


«O Amante de Um Dia» (L'amant d'un Jour) de Philippe Garrel. Com Éric Caravaca, Esther Garrel, Louise Chevillotte. França, 2017, P/B, 76 min.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Sobre o filme «Barbara» de Mathieu Amalric, 2017
















O mais atraente neste filme não será tanto ser um filme sobre um filme. De «Oito e Meio» de Fellini (1963) a «A Noite Americana» de Truffaut (1973), «O Estado das Coisas» de Wenders (1982) ou «Road to Nowhere - Sem Destino» de Monte Hellman (2011), todos os grandes realizadores foram aliciados por essa, digamos, «crise de identidade» ou «cine-autobiografia».

O melhor do filme de Mathieu Amalric, irrequieto personagem que nunca sabe se quer estar à frente ou por detrás das câmaras; na frente do plateau ou sobre o palco; a realizar ou a actuar; dentro do comércio cinéfilo de Hollywood ou a esgrimir contra ele; o melhor deste filme é, exactamente, esse meio-termo ultra sensível que coloca uma extraordinária Jeanne Balibar (Brigitte) a transformar-se, em duplo papel, em Barbara, e esta Barbara que nunca sabemos se está a voltar à génese da criação dramática da inicial Jeanne Balibar a retomar o papel de Brigitte.

Mathieu Amalric representa o papel do realizador Yves que também anda baralhado, entre a personagem, bela, exótica, intrigante, da cantora francesa, e a visível cumplicidade da sua ex-mulher Jeanne Balibar. Os grandes planos e as grandes canções, as palavras sentidas pela geração de ouro da Canção Francesa, deixam Yves num estado de deslumbramento aparvalhado, embasbacado, um realizador que não controla a ficção e a narrativa documental. 

Afinal, Amalric sabe como contar uma história sem tentar desfazer-lhe os enigmas com truques baratos de conto de fadas.

Ao sair do filme, também eu me senti baralhado, mas também hipnotizado, comovido, por tão obscura personagem. Encantado pelo jeito de um realizador em terminar uma filme sem o massacrar com conclusões académicas.

jef, janeiro 2018

«Barbara» de Mathieu Amalric. Com Jeanne Balibar, Mathieu Amalric, Vincent Peirani, Fanny Imber, Aurore Clement, Grégoire Colin. França, 2017, Cores, 97 min.

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Sobre o livro «Retratos» de André Ruivo, 2017
















Este é o 41º Volume das edições MMMNNNRRRG / The Inspector Cheese Adventures. O design é de Jorge Silva. Tem uma dimensão extravagante, em jeito de A3. 29,5 x 41 cm. Grande e pleno, com 11 retratos onde o pastel não teme sujar o papel. Retratos como eram os dos reis, do clero; mais tarde dos ricos comerciantes e burgueses; depois do povo, dos vizinhos, da família…

André Ruivo preenche o olhar do leitor com a expressão celular do pastel de óleo. Obriga-nos a ver a pele das páginas, completa-nos a interpretação dessa coisa inusitada que é olhar o olhar dos outros pela luz da criatividade. E, estranhamente, fá-lo de um modo «clássico».

Recebi-o como presente mesmo antes de terminar o ano de 2017. Excelente augúrio.

jef, janeiro 2018