O mais atraente neste filme não será tanto ser um filme sobre
um filme. De «Oito e Meio» de Fellini (1963) a «A Noite Americana» de Truffaut
(1973), «O Estado das Coisas» de Wenders (1982) ou «Road to Nowhere - Sem Destino» de Monte Hellman (2011), todos os grandes
realizadores foram aliciados por essa, digamos, «crise de identidade» ou «cine-autobiografia».
O melhor do filme de Mathieu Amalric, irrequieto personagem
que nunca sabe se quer estar à frente ou por detrás das câmaras; na frente do
plateau ou sobre o palco; a realizar ou a actuar; dentro do comércio cinéfilo
de Hollywood ou a esgrimir contra ele; o melhor deste filme é, exactamente,
esse meio-termo ultra sensível que coloca uma extraordinária Jeanne Balibar
(Brigitte) a transformar-se, em duplo papel, em Barbara, e esta Barbara que
nunca sabemos se está a voltar à génese da criação dramática da inicial Jeanne
Balibar a retomar o papel de Brigitte.
Mathieu Amalric representa o papel do realizador Yves que
também anda baralhado, entre a personagem, bela, exótica, intrigante, da
cantora francesa, e a visível cumplicidade da sua ex-mulher Jeanne Balibar. Os
grandes planos e as grandes canções, as palavras sentidas pela geração de ouro
da Canção Francesa, deixam Yves num estado de deslumbramento aparvalhado,
embasbacado, um realizador que não controla a ficção e a narrativa documental.
Afinal,
Amalric sabe como contar uma história sem tentar desfazer-lhe os enigmas com
truques baratos de conto de fadas.
Ao sair do filme, também eu me senti baralhado, mas também hipnotizado,
comovido, por tão obscura personagem. Encantado pelo jeito de um realizador em terminar
uma filme sem o massacrar com conclusões académicas.
jef, janeiro 2018
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