domingo, 2 de maio de 2021

Sobre o livro «Louis Pasteur» de Alida Sims Malkus. Livraria Civilização, 4ª edição,1968. Tradução de Madalena de Castro. Ilustrações de Jo Spier.


 





















































Tenho o livro desde 14 de Julho de 1969. Foi-me dado por Julieta Vaz de Carvalho Santos (se não me engano no seu nome), minha professora e directora (e amiga) do jardim infantil onde andei até entrar para a escola primária. A dedicatória refere-se ao afecto, ao estudo, à recordação e ao exame superado da 4ª classe. Nunca consegui desfazer-me dele nem das gratas memórias vindas das grandes sílabas soletradas e sublinhadas a cinzento numa imensa Cartilha Maternal de capa rija. Nem dos harmónios feitos com longas fitas de papel colorido, nem dos desenhos com lápis Viarco, que arranhavam no papel almaço, nem dos amores-perfeitos que plantávamos no quintal e que, depois, levávamos cerimoniosamente a um local estranho onde estava um senhor importante, almirante e aviador, de nome Gago Coutinho. Esse quintal onde brincávamos e corríamos cheirava, por vezes, a xixi de gato.

Já o ano em que o li pela primeira vez escapou à tal memória.

Sei que a ternura dos desenhos sempre me influenciou a par do carinho com que é descrita a vida modesta e empenhada percorrida por Louis Pasteur desde a pequena povoação de Arbois (Jura) até Paris; a sua luta pela ciência, pela família, pelo invisível, pelo microscópio, pelo laboratório; acima de tudo o apego aos concidadãos, quer fossem produtores de vinho, de bichos-da-seda, pastores, ou humildes e incógnitos mordidos por cães ou lobos atacados pela raiva.

Sempre achei graça à «pasteurização» que a minha mãe fazia num fervedor de alumínio e na respectiva zanga quando nós nos distraíamos e o leite vinha por fora e sujava o fogão todo. O senhor trazia o leite em bilhas de zinco, salvo erro, e limpava os pingos de leite que ficavam na madeira da entrada com um paninho cor-de-laranja.

Não me lembro de ficar espantado pela “invisibilidade” de tantos seres vivos que influenciavam a nossa saúde. Nunca questionei a razão pela qual os nossos pais nos obrigavam a lavar as mãos tantas vezes, ou de ter um caderninho branco onde ficaram averbadas as doses de vacinas que tomava, apesar de algumas estarem contidas em seringas e agulhas de aspecto medonho. Sempre vi ferver certos objectos para os “desinfectar”. Sempre ouvi falar de Louis Pasteur como um revolucionário que mudou realmente o dia-a-dia da população de todo o mundo.

E por viver no século XXI, envolto em pandemias, em seres humanos anti-vacinas, negacionistas dos micróbios, amantes de terras menos esféricas, apologistas de fascismos, muros e arames farpados, fui obrigado a ir buscar o livro à estante da minha infância…

Tudo agora me vem à memória um pouco misturado. Com a mesma estrutura fragmentada mas inclusiva dos sonhos, da ausência, da solidão. E constato como gosto de ler livros infantis ilustrados. E como eles se cruzam com as mais belas memórias e a grata influência dos pais, dos professores, de uma certa aprendizagem contínua, da vocação de sempre tentarmos descobrir os miasmas do futuro.


jef, maio 2021

 

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