Existe
no filme uma animosidade latente. Mesmo uma superioridade estética.
Veneza
não é plácida, nem nostálgica, nem velha, nem romântica. É agitada, fremente,
tão inconstante e fugidia como Roma. Toda a cidade aquática está dominada por
uma Eve Olivier (Jeanne Moreau) que, por sua vez, controla os homens
lançando-lhes o dogma da submissão. Mesmo ao conquistar e submeter Tyvian Jones
(Stanley Baker), esse (falso) galã veneziano, falso romancista, falso namorado
e conquistador da malograda Francesca (Virna Lisi). Tudo se rege pela
aproximação e pela fuga do poder (ou pelo seu contrário). Como nos policiais de
Patricia Highsmith, sem polícias nem moral mas com perseguição e permanente
desconfiança
O
silêncio reina e é o olhar de Jeanne Moreau que cativa, absorvendo a realidade,
o tempo e o desejo. Uma deusa contempla de um plano superior, aquático, omnisciente,
pronta a seduzir e a vingar. Entra em cena e as portas abrem-se por magia, as
flores são deitadas fora, o espaço verga-se-lhe sem pudor, e um gira-discos
portátil tocará «Willow, Weep for Me» de Billie Holiday até o disco se quebrar,
mais por desespero do tédio do que por raiva de amante.
A
cidade suspende-se. E enquanto aguarda Eva, a força de atracção e da derrota de
Veneza vai ficando cristalizada como se situasse no reverso de um outro filme
desesperado. «Senso» de Luchino Visconti (1954).
jef,
maio 2021
«Eva»
(director’s cut) de Joseph Losey. Com Jeanne Moreau, Stanley Baker, Virna Lisi,
Peggy Guggenheim, James Villiers, Riccardo Garrone, Lisa Gastoni, Alexis
Revidis, Enzo Fiermonte. Argumento: Hugo Butler e Evan a partir do romance de Jones
James Hadley Chase. Fotografia: Hans Fromm. Música: Michel Legrand. Canção:
«Willow, Weep for Me» por Billie Holiday. França / Itália, 1962, P/B, 126 min.
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