Este é um desses “filmes-estudo”. Tal como «Casablanca» (Michael
Curtiz, 1942), é um filme venerado pelo público e a que os críticos torcem bastante
o nariz, talvez por essa mesma razão. É raro o público e os críticos conseguirem
acertar o passo na mesma valsa. «Boneca de Luxo» também tem um par de actores
de sonho, uma história comovente, uma canção inesquecível, e é estreado numa situação
sócio-política de batalha campal a exigir do público evasão cinematográfica simples e compreensiva.
E, porventura, tal desprezo dos críticos transporta alguma
injustiça. Se todo o filme é deslumbrado pela diva absoluta Audrey Hepburn (Holly
Golightly), pelos olhos azuis de George Peppard (Paul Varjak) ou pelo compreensivo
“gato sem nome” Cat (Orangey), nessa fuga conjunta para a “rica, fácil e
luminosa” Nova Iorque da rapariga vinda de um meio paupérrimo e inóspito e do
escritor desamparado que tem no currículo apenas o livro «Nine Lifes / Sete Vidas»,
existe o princípio crítico social, envolto numa terna amabilidade que Truman
Capote não conseguiu, nem desejou, colocar no seu livro. No início, a figura de
princesa de Holly Golightly olhando com devota solidão a montra da Tiffany’s,
enquanto come um pequeno-almoço take-away do Starbucks, diz tudo. A vida não é
fácil e há que vencer a intempérie com determinação, mesmo deitando mão a
intrincados estratagemas, ao melhor guarda-roupa («How do I look?»), a menos
recomendáveis namorados ou decoradoras ricas e sonsas (Patricia Neal), mesmo
que digam: « I’m a very stylish girl!».
Não haverá aqui algumas
parecenças com o aplaudido «O Apartamento » (Billy Wilder, 1960)?
E essa maravilhosa troca cénica de andares num velho prédio nova-iorquino
subalugado, escada a cima escada a baixo, não tem qualquer coisa de maravilhoso, tal como em «O Pecado Mora ao Lado» (Billy Wilder,1955)?
E «Moon River» de Johnny Mercer e Henry Mancini, não é uma comovente
e eterna canção-ícone?
E os objectos, os decores, o guarda-roupa e o movimento
dentro dos cenários, não fazem lembrar um pouco os palcos de Jacques Tati?
Acima de todas as críticas e interpretações, no centro de um
filme, que revejo sempre que posso e a quarentena obriga, está uma das actrizes
mais belas e amoráveis de sempre: Audrey Hepburn!
jef, abril 2020
«Boneca de Luxo»
(Breakfast at Tiffany’s) de Blake
Edwards. Com Audrey Hepburn, George Peppard, Patricia Neal, Mickey Rooney, Buddy
Ebsen, Martin Balsam, José Luis de Vilallonga, John McGiver, Dorothy Whitney, Stanley Adams,
Elvia Allman, Alan Reed, Beverly Powers, Claude Stroud, Orangey (o gato). Argumento:
George Axelrod baseado na novela de Truman Capote. Música : Henry
Mancini. Canção: «Moon River» Jonnhy Mercer/ Henry Mancini . Fotografia: Franz
Planer. Guarda-roupa de Audrey Hepburn: Hubert de Givenchy. Direcção artística: Roland Anderson
& Hal Pereira; Decores: Sam Comer & Ray Moyer. EUA, 1961, Cores, 110
min.
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